Jornal Estado de Minas

Popularidade de Lula, uma faca de dois gumes para a esquerda

O constante aumento da popularidade de Lula complica ainda mais as já incertas eleições presidenciais, inclusive para a própria esquerda, já que seu dirigente histórico, preso por corrupção, será com toda probabilidade excluído da disputa.

As intenções de voto no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva aumentou de 30% a 39% desde junho e está 20 pontos na frente de Jair Bolsonaro, segundo pesquisa Datafolha publicada na quarta.

Outras duas pesquisas atribuem a ele 37%, o dobro do candidato de extrema-direita.

"O povo quer Lula", proclama o PT, mas a análise das pesquisas pode oferecer interpretações menos conclusivas.

Lula é citado espontaneamente como o candidato preferido de 20% das pessoas questionadas pelo Datafolha (eram 10% em junho) e Bolsonaro por 15%, enquanto que nenhum dos outros onze candidatos é mencionado por mais de 2%. E 41% ainda não sabe em quem votará.

"Lula cresce por efeito da 'notoriedade da marca' e pelo desconhecimento da maioria dos demais candidatos, ou seja, ele e Bolsonaro são os elementos mais conhecidos aqui, principalmente com o ex-presidente tendo feito descaradamente campanha antecipada, em nome de uma suposta 'caravana' pelo Brasil", afirma Jason Vieira, da consultora Infinity Assets, recordando que o líder do PT "vai aguardar, tentar gerar um factoide politico, pois precisa dizer que não pode ser eleito".

Lula é, além disso, uma figura proeminente no país desde o fim da ditadura militar (1964-85). Desde 2002, ganhou diretamente duas eleições e outras duas através de sua herdeira política Dilma Rousseff.

"Lula domina o panorama político há vinte anos ou mais" e "quando ele não figura, a indecisão é muito grande", afirma José Augusto Guilhon Albuquerque, professor emérito de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP).

A campanha de Lula evoca seus anos de governo, de crescimento com programas de inclusão social. "Lula presidente, para que o Brasil volte a ser feliz", é seu lema.

E o PT denuncia dentro e fora do Brasil a "prisão injusta" de seu líder. O Comitê de Direitos Humanos da ONU chegou a pedir que ele possa disputar a eleição, mesmo que ainda tenha recursos judiciais pendentes.

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que até agora não se pronunciou a respeito, mas deverá fazê-lo no máximo em meados de setembro e com toda certeza invalidará a candidatura de Lula, evocando a Lei da Ficha Limpa.

- Dilemas do PT-

Uma das chaves das eleições residirá na capacidade de Lula transferir seus votos para Fernando Haddad, seu companheiro de chapa, que deverá assumir seu lugar quando o TSE se pronunciar.

Segundo o Datafolha, o ex-prefeito de São Paulo tem apenas 4% das intenções de voto nos cenários sem Lula. E 31% dos eleitores de Lula afirmam que votarão na pessoa que ele indicar.

Alguns analistas acreditam que a presença de Lula complica a vida de Haddad, que até agora não foi designado como seu substituto oficial.

"Era correto insistir na candidatura de Lula, mas lançando mais cedo o nome de seu eventual substituto.

Isso teria dado boas perspectivas ao candidato. O que faz o PT não é bem isso. Prolonga a 'candidatura' de Lula até o limite, mas visivelmente faz corpo mole com quem é o real candidato", afirma o acadêmico Ruy Fausto, autor de "Caminhos da esquerda: elementos para uma reconstrução".

Jason Vieira acredita que o PT manterá essa postura enquanto for possível.

Outros candidatos em condições de dividir o eleitorado lulista expressam suas críticas.

"Ninguém está acima da lei. Faltam pucos dias para a conclusão do processo eleitoral e ainda estamos em uma situação que fragiliza muito a decisão dos eleitores", declarou na terça-feira Marina Silva, a segunda colocada nas pesquisas sem Lula.

Para o ex-ministro de Lula, Ciro Gomes, "o PT está agindo de má fé porque todo mundo sabe que Lula não será candidato".

Muitas conjecturas apontam para um segundo turno Bolsonaro-Haddad ou Bolsonaro-Geraldo Alckmin, o candidato favorito dos mercados e que até agora não supera os 10% das intenções de voto.

"O número de indecisos é a coisa mais enigmática desta eleição. Eles vão se definir no segundo turno", conclui Vieira.

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