O presidente francês, Emmanuel Macron, reconheceu nesta quinta-feira (13) que a França instaurou um "sistema" que resultou em atos de "tortura" durante a guerra de independência da Argélia (1954-1962), um assunto sensível e fonte de feridas que ainda não cicatrizaram na sociedade francesa.
O chefe de Estado francês entregou uma declaração neste sentido à viúva do matemático Maurice Audin, um militante comunista pró-independência que desapareceu em 1957. Ele "morreu sob a tortura derivada do sistema instaurado enquanto a Argélia era parte da França", indica a declaração, na qual o presidente pede perdão.
"É importante que essa história seja conhecida, que seja vista com coragem e lucidez. Traz apaziguamento e serenidade para aqueles que ela machucou (...) tanto na Argélia quanto na França", disse Macron.
O presidente também prometeu a abertura dos arquivos sobre o tema dos desaparecidos civis e militares, franceses e argelinos. Paris e Argel mantém relações íntimas e complicadas por causa da história colonial e as migrações entre os dois países.
O Estado francês nunca admitiu de maneira oficial o uso de tortura por parte de suas Forças Armadas durante o conflito, no qual quase 1,5 milhão de argelinos morreram.
A questão, ainda que amplamente documentada, continua sendo um assunto muito sensível e o recurso à tortura, ainda que conhecido, continua sendo um tabu na história oficial.
Os franceses que precisaram fugir da Argélia (os "pés pretos"), os combatentes argelinos que lutaram pela França e que depois foram abandonados por estes últimos (os harkis), famílias de desaparecidos sequestrados por franceses ou argelinos, jovens recrutas jogados na guerra, entre tantas outras feridas que marcaram a sociedade francesa.
"Uma linha vermelha é cruzada com o reconhecimento da tortura através do emblemático caso de Maurice Audin. Emmanuel Macron está mais próximo do trabalho dos historiadores que estabeleceram os fatos há muito tempo", apontou à AFP o historiador Patrick Garcia, especialista em memória.
O governo argelino elogiou um "avanço" do governo francês. O ministro dos veteranos de guerra, Tayeb Zitouni, considerou na televisão Ennahar TV que "o dossiê da memória entre a França e a Argélia será tratado sabiamente pelos dois países".
Audin, matemático e auxiliar universitário, foi preso em 1957 durante a batalha de Argel e torturado durante várias ocasiões no bairro de El Biar. Era suspeito de abrigar integrantes de um grupo armado do Partido Comunista Argelino.
A razão oficial para o desaparecimento informada a sua viúva, Josette Audin - a de que Maurice Audin fugiu durante uma transferência -, foi mantida até 2014, quando o ex-presidente francês François Hollande desmentiu a versão e reconheceu que o matemático morreu quando estava em detenção.
O jornalista Jean-Charles Deniau afirma em um livro que Audin, que tinha 25 anos, foi assassinado por ordem do general francês Jacques Massu.
Villani estabeleceu um paralelo entre a decisão da administração Macron e o reconhecimento, por parte da presidência de Jacques Chirac, do papel desempenhado pela França durante o Holocausto.
Ele destacou um "momento de verdade, cujo objetivo não é fazer acusações sem distinção, e sim encarar a história e convidar todos a falar e a curar as feridas".