Jornal Estado de Minas

Governo cubano retifica leis para setor privado depois de mal-estar

- Foto: Yamil LAGE / AFP
Em uma reviravolta, o governo cubano modificou, nesta quarta-feira (6), algumas normas para o trabalho privado que devem entrar em vigor em 7 de dezembro, as quais, de acordo com especialistas, freavam essas atividades.


O governo tentou explicá-las por vários meios, mas ainda há muita perplexidade e receio, pouco após o fim do debate popular do projeto de uma nova Constituição. Pela primeira vez, reconhece-se a pequena empresa privada e o papel do mercado.


"Limitam muito a atividade por conta própria, muito, muito (...) um golpe demolidor, acho, para uma enorme quantidade de pessoas", declarou à AFP o advogado Julio Antonio Fernández.


O problema afeta quase 588 mil trabalhadores autônomos, 13% dos empregados - de quem pelo menos 1,5 milhão de pessoas dependem, em uma população de 11,2 milhões.


A aplicação das medidas é feita em um contexto de dificuldade econômica, quando o crescimento não parece superar o 1,1%, e o Estado se mostra especialmente interessado em atrair investimento estrangeiro.


"Vemos que o presidente (Miguel) Díaz-Canel vai continuar com uma trilha de transformações graduais, mas que basicamente não vai tocar a coluna vertebral do sistema centralizado e o monopólio da empresa estatal", disse à AFP o economista cubano Pavel Vidal, da Universidade Javeriana da Colômbia.

- Foto: Yamil LAGE / AFP

Uma licença per capita


São 20 leis jurídicas publicadas no Diário Oficial em 10 de junho para entrar em vigor 150 dias depois, em 7 de dezembro.


O "pacotaço" causou tanta confusão e preocupação que Auge, uma consultora privada de negócios, teve de fazer um resumo para ajudar seus clientes a digeri-lo.


Os regulamentos introduzem mudanças para um maior controle e organização do trabalho privado, afetam os impostos, a contratação de força de trabalho, limitam o escopo de cada atividade (123 no total) e estabelecem novas contravenções.


Seus pontos mais significativos - o limite de uma licença por pessoa e a exigência de uma conta bancária fiscal - foram anulados e retificados.


"As pessoas naturais podem ser autorizadas a exercer mais de uma atividade, desde que cumpram o regulado para o exercício do trabalho por conta própria", afirmou a ministra do Trabalho e da Seguridade Social, Margarita González, em uma resolução publicada no Diário Oficial nesta quarta.


Outra modificação diz respeito à obrigatoriedade de uma conta bancária fiscal. A ministra das Finanças e dos Preços, Meisi Bolaños, derrogou esse dispositivo, "visando a evitar dispersão legislativa", segundo o texto publicado no Diário Oficial.


Em declarações à televisão, Bolaños explicou que a conta será obrigatória para seis atividades: serviço em restaurantes, cafeterias e bares; recreação; locatário de imóveis e serviços de construção. Isso afeta cerca de 80.000 pessoas, o correspondente a 13% do setor privado.


São "atividades complexas em sua operação, não apenas porque geram alta receita, mas porque também geram gastos", acrescentou.


Ainda de acordo com Bolaños, a abertura e a operação dessas contas será "gradual" e, nelas, o titular movimentará as operações mercantis de seu negócio, podendo ter outras contas bancárias pessoais e independentes.


Essas medidas teriam como objetivo evitar a evasão fiscal e impedir o enriquecimento pessoal, mas também ampliam os requisitos burocráticos.


O tema delicado da concentração da riqueza está presente nos documentos programáticos de reformas econômicas, aprovados pelo Partido Comunista (PCC) e pelo Parlamento.


Também está no texto da nova Constituição, que será aprovada em um referendo em 24 de fevereiro. Mas a realidade prevaleceu: o enriquecimento é aceito com relutância, mas a concentração de propriedade, não.


O advogado Fernandez acredita, porém, que essa limitação da propriedade deve ser mais explícita no texto constitucional.


"Tudo bem se for mais explícito, se não afetar o sujeito econômico que quiser ir à frente, que quiser avançar, que quiser progredir", diz ele.



Inspeções


"Agora não posso dar o café nem o almoço para meus hóspedes, apenas a cama. Isso significa menos dinheiro entrando", disse à AFP Estrella Rivas, que aluga imóveis no bairro central do Vedado.


E como isso será controlado? "Não sei. Dizem que haverá inspetores que questionarão os turistas", aponta Rivas.


A vice-ministra do Trabalho e Seguridade Social, Marta Feitó, mencionou as "más interpretações" de algumas disposições, como a que determina que quem aluga quartos não pode oferecer refeições para seus hóspedes.


"Pode se oferecer o serviço de refeição", disse ela, "mas se requer uma licença sanitária concedida pelo Ministério de Saúde Pública".


Em dois artigos, o cientista político e economista Esteban Morales comenta que, como se impõe "tantas restrições, regulações e trâmites burocráticos" ao trabalho privado em Cuba, isso "deixa quase todos na incerteza sobre se de verdade o queremos, ou não, na nossa economia".

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