O plano de privatizações da equipe econômica do presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro, pode encontrar obstáculos no núcleo militar que o acompanha - cauteloso com os setores estratégicos - e no Congresso.
Paulo Guedes, economista liberal formado na Universidade de Chicago, assumirá o Ministério da Fazenda no dia 1º de janeiro. Durante a campanha ele afirmou que as vendas poderiam render ao Estado até um trilhão de reais (260 bilhões de dólares). Mas não voltou a mencionar o valor.
"As possibilidades de privatizar são boas, com ativos que podem ser vendidos a preços favoráveis ao setor privado. O ponto aqui não é quanto se ganha com a venda, e sim o quanto se reduz do grande valor da dívida pública", declarou à AFP o economista Alberto Ramos, do Goldman Sachs.
O endividamento do Brasil passou de 56,3% do PIB no fim de 2014 para 76,5% em outubro deste ano e, segundo as projeções do Banco Mundial, sem reformas profundas poderia chegar a 140% em 2030.
O programa eleitoral de Bolsonaro manifestava a intenção de cortar os déficits e de "reduzir a dívida pública em 20% por meio de privatizações, concessões" e da venda de propriedades públicas.
Bolsonaro, capitão reformado do Exército, citou a prioridade de venda das empresas mais subsidiadas.
O futuro presidente de extrema-direita conta em sua equipe com vários militares, incluindo sete futuros ministros, que poderiam representar um contrapeso ao liberalismo sem complexos de Guedes.
"No governo de Bolsonaro você tem um grupo civil e um grupo militar. Dentro do núcleo civil existe um desejo bastante privatizante: Paulo Guedes, Chigago Boys. E tem um núcleo de militares que tendem a pensar essas questões com um pouco mais de cuidado, tentam dar um valor estratégico maior para alguns ativos da União", explica André Perfeito, economista da corretora Spinelli.
O analista admite que, inclusive há algum tempo, "o mercado estava arrepiado com a possibilidade de um militar assumir a Petrobras", considerada a joia da coroa, que tenta superar um escândalo de corrupção.
O presidente da empresa no próximo governo será Roberto Castello Branco, outro "Chicago Boy".
O próprio Bolsonaro freou os ardores de seu futuro ministro, ao afirmar que a Petrobras pode ser privatizada "em parte", o que não atingirá o principal negócio da empresa, a exploração de petróleo.
- O que privatizar? -
O Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal também estão fora do pacote de privatizações. Os bancos estatais cobrem setores como crédito imobiliário, agrícola, ou a população de baixa renda.
Os especialistas recordam, no entanto, que Paulo Guedes buscará por todos os meios estimular seu plano de saneamento das contas públicas para devolver ao Brasil, que tenta superar com dificuldades uma grave recessão de dois anos, 2015 e 2016, o "grau de investimento" das agências de classificação de risco.
"Acredito que Guedes vai ter uma planilha com tudo o que precisa privatizar e vai negociar, uma por uma", afirma Perfeito.
Na lista já foram mencionadas a área de seguros do Banco do Brasil, o Serpro e os Correios, que já foram considerados estratégicos.
A privatização da Eletrobras, maior empresa de geração e distribuição de energia elétrica na América Latina, pode encontrar dificuldades por questões de segurança nacional.
"No núcleo militar tem muita gente perto do Bolsonaro, começando pelo vice-presidente Hamilton Mourão. A Eletrobras é uma discussão sensível porque é um tema estratégico. Vai acontecer um jogo que não sabemos quem vai ganhar", disse Perfeito.
O atual governo de Michel Temer já privatizou cinco das seis distribuidoras da Eletrobras e, para alguns agentes do mercado, trata-se de dar continuidade a uma agenda iniciada em 2012, desde o governo de Dilma Rousseff.
"Podem começar com as empresas que não são rentáveis e que são altamente ineficientes e depois seguir para setores que demandam altos investimentos e recursos que o governo não tem", considera Ramos, do Goldman Sachs.
O atual ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, explicou na quarta-feira que "faltou ambiente" para privatizar a Eletrobras este ano. "A privatização nunca é um tema fácil, é sempre polêmico, que traz divergências e que precisa ser debatido".
- Luta no Congresso -
Algumas medidas privatizadoras mais agressivas podem exigir a aprovação do Congresso, muito fragmentado. O Partido Social Liberal (PSL), de Bolsonaro, tem a segunda maior bancada na Câmara dos Deputados, com 52 das 513 cadeiras.
A oposição de esquerda busca obstruir estes planos. Mas, mesmo entre os partidos ligados ao próximo governo, há resistências, tanto por posições nacionalistas como por uma tradição de estabelecer alianças com a atribuição de cargos importantes em empresas estatais, destacam os analistas.
"O partido de Bolsonaro não está tão de acordo em privatizar e não tem um bom operador político", comenta Pedro Tuesta, economista para a América Latina da consultoria 4CAST em Washington.
"Os recentes escândalos de corrupção e as investigações judiciais em curso mostraram que as empresas estatais eram grandes locais de tráfico de influência. No passado, o Congresso nunca apoiou uma profunda campanha de privatização. Provavelmente será uma luta política difícil para reduzir o tamanho do atual setor público inchado e ineficiente", conclui Ramos.