O general da reserva Hamilton Mourão, considerado inicialmente uma versão mais à direita que o próprio Jair Bolsonaro, de quem será vice-presidente, passou a ser visto, após a vitória do capitão do Exército, como uma voz pragmática em uma equipe disposta a alinhar o Brasil aos Estados Unidos a qualquer preço.
Com um evidente apetite pela política, Mourão deixou claro que não terá um papel de coadjuvante no governo que começa em 1º de janeiro. Em novembro, afirmou que o presidente eleito o autorizou a "montar uma nova estrutura capaz de fazer a coordenação e controle daquilo que serão as principais atividades do governo, os grandes projetos e políticas públicas".
- Direita, volver -
Mourão, de 65 anos, ganhou notoriedade por expressar suas ideias ainda na ativa, algo incomum desde a ditadura militar (1964-85), a qual justifica em nome do combate ao comunismo.
Ele investiu contra a ex-presidente Dilma Rousseff (2011-2016) e no ano passado, quando se intensificaram as denúncias de corrupção contra o presidente Michel Temer e seus principais ministros, advertiu que se as instituições não "solucionam o problema político (...) todos nós [os militares] teremos que impor isso".
Não parou por aí. Três meses depois, acusou Temer de governar por clientelismo político e, em seu discurso de despedida das Forças Armadas, em fevereiro de 2018, chamou de "herói" o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-chefe do DOI-Codi, centro de detenção e tortura do regime militar.
Já nessa época manifestava seu apoio a Bolsonaro. Embora descartasse se apresentar a qualquer cargo público, filiou-se em maio ao Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB).
O polêmico general foi apenas a quarta opção de Bolsonaro para compor sua chapa. Seu nome não aportava base eleitoral, nem experiência política, mas nomeá-lo vice-presidente podia servir de antídoto a quem quisesse destituí-lo.
O vice "tem que ser alguém por quem não compense pedir um impeachment", explicou em meados do ano o deputado Eduardo Bolsonaro, um dos filhos do presidente eleito.
Esse critério é chave em um país onde quase metade dos vice-presidentes da era republicana assumiram o poder por diferentes motivos, entre eles o próprio Temer, que herdou o cargo após o impeachment de Dilma Rousseff em 2016.
No Exército, o general Mourão teve uma carreira mais bem sucedida que o capitão Bolsonaro.
Mourão nasceu em 1953 em Porto Alegre, filho de pai general e mãe professora universitária, originários do Amazonas e com origens indígenas. Suas raízes não o impediram de afirmar, em agosto, que o Brasil herdou a "indolência" dos índios e a "malandragem" dos africanos.
Em entrevista em setembro à Folha de S. Paulo, o general se definiu como alguém respeitoso à hierarquia, sereno e assíduo às missas dominicais. É casado com uma mulher mais jovem e tem dois filhos da união com a primeira esposa, já falecida.
Mourão ganhou mais protagonismo durante as semanas em que Bolsonaro permaneceu hospitalizado, em setembro, após sofrer uma facada no abdômen durante evento de campanha em Juiz de Fora (MG).
As diferenças entre os dois começaram a surgir. Algumas de suas opiniões que denotavam racismo, discriminação social e machismo tiveram que ser desautorizadas pelo próprio Bolsonaro, ele próprio detentor de um histórico de ataques às minorias.
O agora presidente eleito teve, inclusive, que se manifestar quando seu companheiro de chapa evocou a possibilidade de reduzir benefícios trabalhistas e modificar a Constituição sem voto popular.
Mourão retrucou, afirmando que tem opiniões e que não será um "vice anencéfalo".
- O pragmático -
Depois da vitória em outubro, os papéis parecem ter se invertido e Mourão passou a moderar algumas das opiniões mais polêmicas de Bolsonaro.
Alertou, por exemplo, para os riscos de um alinhamento total com a política externa de Donald Trump.
"Nós podemos comprar as brigas que podemos vencer. As que a gente não pode, não é o caso de comprar", disse Mourão em entrevista em novembro à Folha de S. Paulo.
Depois que Bolsonaro disse que a China está querendo comprar o Brasil, Mourão argumentou que aquela era uma retórica de campanha e alertou que "uma briga com a China não é uma boa briga (...) 34% das nossas exportações são para a China", lembrou.
Em contraposição a declarações do futuro chanceler, Ernesto Araújo, o general da reserva afirmou que "não resta dúvida de que existe um aquecimento global".
O general, que foi adido militar na embaixada do Brasil na Venezuela entre 2002 e 2004, é favorável a aumentar a pressão internacional contra o governo do presidente Nicolás Maduro, mas se diz contrário a uma ação militar brasileira.
Fala inglês fluente e se define como um liberal convicto, mas se opõe à privatização de parte do setor energético e bancário.
Assíduo à leitura e à equitação, alguns já veem nele um sucessor natural. "O Mourão vai ser presidente da República" em 2022 ou antes, se "algo" acontece com Bolsonaro, vaticinou em entrevista o general Paulo Assis, que foi seu comandante. E no Brasil, completou, "tudo pode acontecer".