Uma carta póstuma na qual Alan García negou as acusações de corrupção e se recusou a se submeter a "injustiças e circos" marcou seu funeral nesta sexta-feira (19) em Lima, dois dias depois do suicídio do ex-presidente peruano, acusado de corrupção em um caso ligado ao escândalo da Odebrecht.
"Vi outros desfilarem algemados resguardando sua miserável existência, mas Alan García não tem por que sofrer essas injustiças e circos", escreveu o ex-presidente na mensagem dirigida a seus seis filhos, lida nesta sexta-feira (19), com emoção, por sua filha Luciana durante a cerimônia fúnebre.
"Não houve nem haverá contas, nem subornos, nem riquezas. A história tem mais valor que qualquer riqueza material", destacou o ex-presidente.
García, de 69 anos, que passou sua prolífica e polêmica carreira política de quatro décadas preocupado com o lugar que ocuparia na história, escreveu que não estava disposto a suportar humilhações.
"Deixo para meus filhos a dignidade das minhas decisões, a meus companheiros um sinal de orgulho e meu cadáver como uma mostra do meu desprezo para meus adversários, porque já cumpri a missão que me impus", afirma no fim da missiva.
"(García) se vitimiza, culpa os opositores por sua situação, se sacrifica pelo partido", disse à rádio RPP o historiador Juan Luis Orrego.
O estudioso destacou que o conteúdo da carta lhe fez lembrar da do ex-presidente brasileiro Getúlio Vargas, que se suicidou em 1954.
- Cremação em cerimônia privada -
O corpo foi cremado ao pôr do sol em uma cerimônia privada após sua família recusar um funeral de Estado, dois dias depois de Alan García cometer suicídio, quando ia preso novamente por um escândalo ligado à empresa de construção brasileira Odebrecht.
O funeral do ex-presidente reuniu milhares de simpatizantes e apoiadores no local partidário "Casa do Povo", de onde o caixão saiu carregado no ombro depois de um tributo fervoroso.
Milhares de pessoas caminharam ao lado do caixão por cerca de dois quilômetros pelas ruas de Lima em direção à histórica Plaza San Martin, o epicentro das maiores manifestações do Peru e o ponto de partida de sua agitada carreira política, há 40 anos.
Na chamada "Casa del Pueblo", foram cantadas músicas que fazem parte da liturgia da Apra (Aliança Popular Revolucionária Americana), seu partido de origem social-democrata e o mais antigo do país, surgido na década de 1920.
"Alan Garcia fez um ato de dignidade e não permitiu que a perseguição disfarçada de direito que fizeram com escárnio a ele, essa é a principal entrega dele ao partido", disse o congressista Mauricio Mulder, um de seus colaboradores mais próximos.
O social-democrata García governou o Peru em duas ocasiões: 1985-1990 e 2006-2011.