Jornal Estado de Minas

Mudança climática ameaça existência dos povos nativos do Alasca

- Foto: Mark RALSTON / AFP
O cemitério já foi mudado duas vezes, a velha escola está debaixo da água e a nova enfrenta o mesmo destino com a erosão constante que está devorando as terras em Napakiak.


Esta pequena aldeia localizada no sudoeste do Alasca, por onde passa o sinuoso rio Kuskokwim, é uma das várias comunidades indígenas costeiras deste estado dos Estados Unidos, cuja própria existência e estilo de vida estão ameaçados pela altas temperaturas.


"O litoral sofre erosão muito mais rápido do que o esperado e temos que nos afastar continuamente do rio para áreas mais altas", explica Walter Nelson, vereador da cidade, a uma equipe da AFP em recente visita a uma isolada população de apenas 350 habitantes, a maioria esquimós Yupik.


"Aqui lidamos com a mudança climática diariamente", acrescenta.


Ele mostra casas e outros construções, principalmente sobre palafitas, que são afetadas pela rápida erosão costeira e o derretimento do "permafrost", uma camada de solo que costumava ser permanentemente congelada e sobre a qual muitas aldeias nativas do Alasca foram construídas.


"É uma corrida constante contra o tempo. Agora o mercado local, o corpo de bombeiros e o prédio da cidade são os primeiros da lista de relocação", explicou Nelson. "A escola vem depois, mas não podemos movê-la; teremos que derrubá-la e construir uma nova".

- Foto: Mark RALSTON / AFP 


Isolamento


O mesmo drama é experimentado em outras comunidades costeiras do Alasca, que estão cada vez mais isoladas porque as rotas que são formadas no inverno com o rio congelado são cada vez mais escassas com o aumento das temperaturas.


De acordo com um relatório de 2009 do Government Accountability Office, a maioria das mais de 200 aldeias indígenas no estado são afetadas pela erosão e inundação, e 31 enfrentam "ameaças iminentes".


Newtok é uma das comunidades que podem ficar debaixo d'água. Seus 350 moradores terão que se mudar em breve para um novo assentamento a cerca de 15 km de distância.


Mais ao sul, em Quinhagak, que faz fronteira com o Mar de Bering e está localizado na foz dos Kuskokwim, os líderes comunitários também estudam a possibilidade de mudar a vila de 700 habitantes para uma área mais segura.


"Já mudamos duas vezes, a última em 1979", conta Warren Jones, presidente de uma corporação Yupik local conhecida como Qanirtuuq Inc.


"Mas a erosão está acontecendo tão rápido que estamos preparando um pedaço de terra para o novo local muito mais longe do mar", explica.

 


"Ameaças existenciais"


Segundo os cientistas, o Alasca está aquecendo duas vezes mais rápido que a média mundial, com temperaturas em fevereiro e março batendo recordes.


"Entre 1901 e 2016, as temperaturas médias do continente dos Estados Unidos aumentaram 1,8 graus Fahrenheit , enquanto no Alasca aumentaram 4,7 graus ", alertou Rick Thoman, do Centro de Avaliação e Políticas do Clima do Alasca.


"Isso está afetando desproporcionalmente as comunidades rurais do Alasca, muitas das quais enfrentam ameaças existenciais de longo prazo", acrescentou.


Em Napakiak, que é cercada por quilômetros de tundra plana pontilhada por pequenos lagos e acessível apenas de avião ou barco, o trabalho em tempo integral de Harold Ilmar na última década tem sido proteger a vila de tempestades, inundações e a constante erosão do rio que cobre grandes extensões de terra.


Em média, movimenta cerca de cinco estruturas por ano para terrenos mais altos e, com poucos meios a sua disposição, tenta controlar as ondas colocando sacos de areia e folhas de plástico nas bordas.


"Isso não para e durante as emergências, eu trabalho até nos fins de semana", disse ele. "Acho que seria melhor se mudássemos toda a aldeia para um lugar mais alto", acrescentou, apontando para uma pedra a cerca de um quilômetro da costa.


Fossas comuns


Os líderes da Napakiak, assim como de outras comunidades, têm feito nos últimos anos viagens a conferências por todo o país para dar o alerta sobre a mudança climática e o afundamento de suas aldeias.


"Passamos a dizer às pessoas para virem nos visitar porque é preciso para acreditar", disse Nelson.


"Eles não vão entender o que está acontecendo através de um telefonema", acrescenta, explicando que sua aldeia até começou a usar caixões de metal em vez de madeira, que são mais resistentes, já que muitos corpos não puderam ser recuperados quando os dois cemitérios anteriores foram levados pela água.


"Temos duas valas comuns agora cheias de restos de pessoas que não conseguimos identificar", contou.


E ele aceita resignadamente que, em longo prazo, dada a velocidade da erosão e o aumento das inundações, Napakiak poderá acabar sob as águas e seus moradores terão de se juntar ao crescente número de refugiados do clima, forçados a abandonar suas terras.


"Nós achamos que 2016 e 2018 foram os anos mais quentes, mas 2019 está quebrando todos os recordes", lamentou.


"Todo ano acaba sendo o mais quente".


"Quem sabe o que vamos enfrentar nos próximos 10 anos?", conclui.

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