Dezenas de caixas de biscoitos que não foram vendidos estão empilhados no grande armazém da empresa Sinokrot, que precisaria do impulso econômico prometido pelos Estados Unidos aos palestinos - mas não a qualquer preço.
"O dinheiro não substitui a dignidade de nosso povo, nem a legitimidade de nossa causa", explicou Mazen Sinokrot, presidente da fábrica de biscoitos perto de Ramala, na Cisjordânia, território palestino ocupado por Israel há mais de 50 anos.
Este ex-ministro de Finanças disse que foi convidado à cúpula organizada nesta terça e quarta-feira pelo governo americano de Donald Trump. Esta reunião é o prelúdio de uma iniciativa esperada há meses, que segundo Washington, deveria resolver o conflito entre israelenses e palestinos.
Mazen Sinokrot afirmou que recusou o convite, pois não se sentiu confortável - e ele não é o único.
A conferência colide com o rechaço da direção política palestina, indignada com as decisões pró-Israel dos EUA, e com o boicote quase generalizado de empresários palestinos.
Os americanos esperam apresentar no Bahrein sua "visão" das oportunidades econômicas para os palestinos se, depois de décadas de hostilidades e iniciativas diplomáticas fracassadas, acordassem a paz com os israelenses, segundo os termos de Washington.
Quando os americanos publicaram, no sábado, as linhas principais de seu plano - que busca reunir mais de 50 bilhões de dólares em dez anos e criar mais de 1 milhão de empregos palestinos -, o governo palestino rechaçou-o.
"Precisamos de apoio econômico, dinheiro e ajuda, mas, diante de tudo, falta uma solução política", declarou o presidente da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas, para quem a conferência de Bahrein está "destinado ao fracasso".
- 'Insustentável' -
A situação econômica é sombria na Cisjordânia e ainda pior em Gaza, dois territórios que deveriam formar um futuro Estado palestino independente, como Jerusalém Oriental como capital - a solução de referência internacional para o conflito, mas que nunca foi assumida pelo governo de Trump.
O Banco Mundial descreveu, em abril, uma "situação econômica insustentável". Mais de 30% dos palestinos (52% em Gaza) estão desempregados. Um em cada quatro palestinos vive com menos de 5,5 dólares por dia.
As tensões com Washington e Israel agravaram a situação.
O governo dos Estados Unidos interrompeu mais de 500 milhões de dólares de ajuda, após Abas congelar as relações com Washington, em protesto ao reconhecimento americano de Jerusalém como capital de Israel.
Desde 2019, uma disputa com Israel priva a Autoridade Palestina de milhões de dólares de receitas mensais dos impostos arrecadados pelo Estado hebreu.
A Autoridade Palestina, supostamente à beira da moratória, reduziu pela metade os salários da maioria de seus milhares de funcionários. Num contexto de tensão contínua com o movimento islamista Hamas no poder em Gaza, a adoção de medidas de represálias pioraram os problemas do enclave.
A isso se soma o bloqueio israelense em Gaza, as restrições de de movimento devido à ocupação, o controle israelense das fronteiras, as discordâncias internas entre palestinos, a corrupção e o risco de instabilidade, entre outros.
- 'Incrível potencial' -
Israel nega as acusações palestinas que lhe responsabilizam pela estagnação, e menciona das licenças concedidas a mais de 100 mil palestinos para trabalhar em Israel e nas colônias da Cisjordânia.
Em anonimato, uma autoridade disse à AFP que Israel tem "muito a ganhar" com a melhoria das condições de vida dos palestinos.
Contudo, há um mês a fábrica Sinokrot venda apenas um de seus três produtos, queixa-se Majd Sinokrot, chefe da produção. "As pessoas compravam dois pacotes por dia, agora só compram um, quando muito".
A conferência do Bahrein está destinada a imaginar um "futuro próspero" para os palestinos, já que a paz com os israelenses "desbloquearia o incrível potencial" de sua economia, afirma Jason Greenblatt, assessor de Donald Trump.
Para os dirigentes palestinos, o objetivo é conseguir que os palestinos abadonem suas reivindicações políticas.
Manama pretende "se esquivar da política", declarou o economista Nasr Abdel Karim. Diversos empresários palestinos têm relações próximas com Israel, mas sentem que "participar [da conferência] pode custar caro", já que seriam acusados de traição.