(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

O desafio dos salvadorenhos no rio Bravo, onde morreram pai e filha


postado em 27/06/2019 17:31

Talvez por sua magreza, Tania Ávalos, salvadorenha de 21 anos, chamava carinhosamente de "sequinho" o marido Óscar Martínez, que completaria 26 anos em junho. Valeria, sua robusta menina de quase dois anos, era a "gorda" para quem os pais buscavam uma vida melhor nos Estados Unidos.

Seus sonhos superavam as fronteiras, penúrias e os 3.200 km que percorreram com uma teimosa esperança. Mas a corrente do rio Bravo, cuja mansidão aparente confunde os desavisados, foi capaz de interromper o sonho da família Martínez Ávalos, a poucos metros de superar um dos últimos obstáculos.

Em estado de choque, Tania viu na tarde de domingo Óscar e Valeria sendo arrastados e engolidos pelas águas do rio, a divisa natural entre México e Estados Unidos. Não teve mais notícias deles até a manhã de segunda-feira.

Bombeiros e socorristas mexicanos encontraram seus corpos flutuando, unidos em um abraço protetor que abalou o mundo, porque eloquentemente reflete o drama da migração ilegal da América Central para os Estados Unidos.

Mas o primeiro ato dessa tragédia foi um episódio repetido até a exaustão entre milhares de salvadorenhos, hondurenhos e guatemaltecos.

Tania e Óscar, que trabalhava como cozinheiro numa pizzaria, estavam fartos da pobreza e das quadrilhas que aterrorizam o bairro onde viviam, na área leste de San Salvador.

Ambos sonhavam ver Valeria brincando e crescendo na casa que teriam quando vivessem nos Estados Unidos. "Tinham esse sonho americano, de conseguir uma vida melhor vida", recorda Rosa Ramírez, a mãe de Óscar.

No dia 3 de abril, a família partiu de San Salvador, sem visto mas com o claro objetivo de ir para o norte. O mesmo rumo seguido no mesmo dia por cerca de 200 salvadorenhos sem documentos migratórios, um dia como outro qualquer segundo as autoridades do país.

- A travessia pelo México -

A jovem família atravessou primeiro a Guatemala até chegar à fronteira com o México. Um percurso comum para milhares de migrantes como eles é cruzar o rio Suchiate até a Cidade Hidalgo, no extremo sul do México, e seguir para Tapachula, no estado de Chiapas, a cerca de 37 km.

Parentes de Óscar informaram que a família permaneceu ali por dois meses onde deram entrada na documentação para migrar. De acordo com registro que a AFP teve acesso, Tania tinha um número de visto humanitário, mas sem precisar as características do documento.

Desde o início da crise migratória, o governo mexicano entregou vários documentos, que incluem vistos regionais de trabalho e também humanitários, embora estes últimos tenham sido restringidos após o aumento do fluxo de migrantes.

Com algum desses documentos como garantia, a família decidiu avançar mais de 1.800 km de Chiapas até Matamoros, na fronteira com os Estados Unidos.

Há pouca informação disponível sobre essa jornada, exceto que eles foram acompanhados por outro salvadorenho, Milton Paredes Menjivar, de 19 anos.

Segundo Paredes, chegaram na madrugada de domingo e se hospedaram em um hotel. Por volta das 8 da manhã, pegaram um táxi até a agência de migração localizada em "Puente Nuevo", um dos quatro pontos de passagem de pessoas e carga que unem Matamoros com Brownsville, Texas.

O objetivo era ficar na fila ao lado de outras 200 pessoas que diariamente iniciam os trâmites de solicitação de asilo nos Estados Unidos, mas a agência estava fechada, e deveriam voltar na segunda-feira.

Frustrados, foram comer para "passar o tempo", de acordo com Paredes, e foi quando decidiam que cruzariam o rio. Regressaram e escolheram um ponto a 500 metros da ponte.

- Vencidos pelo cansaço -

No local há o Passeio do Rio, um parque público recém-inaugurado, frequentado por praticantes de esportes e famílias, principalmente nos fins de semana, uma área muito próxima a residências e lojas comerciais.

Há 30 anos, este era um lugar deserto e cheio de mato, onde muitas pessoas atravessavam ilegalmente. Com a construção da ponte e reurbanização, essa área não é mais utilizada por migrantes ilegais que preferem locais mais afastados da cidade.

As águas do rio Bravo parecem tranquilas neste trecho, onde cerca de 40 metros separam as margens e a profundidade é de dois metros. Mas seus perigos são invisíveis da superfície.

"As correntes do rio são muito fortes e há muitos redemoinhos na parte inferior e muita vegetação aquática submersa", explicou Humberto Salazar, chefe de Proteção Civil de Matamoros.

Os salvadorenhos se dividiram em duas equipes: Óscar foi primeiro, carregando Valeria às costas e protegida sob sua camisa, enquanto Paredes ajudava Tania.

A esposa relatou que Óscar e Valeria já estavam próximos da margem americana, mas o cansaço e um vento forte que causou ondas começaram a superá-los. Esgotada e temerosa, Tania retornou como pode para o lado mexicano seguida de imediato por Paredes.

Da margem, ainda conseguiu ver o marido e a filha, mas não por muito tempo.

Os corpos emergiram à superfície por volta das 10 da manhã da segunda-feira, inchados pela decomposição, que é acelerada pelas temperaturas entre 35 e 40 graus da região, explicou Salazar.

Para Kenneth Roth, diretor da ONG Human Rights Watch, enquanto o governo de Donald Trump insistir em endurecer os requerimentos legais para obter asilo, crescerá o desespero entre os migrantes.

"Este enfoque punitivo leva previsivelmente para este tipo de mortes", declarou à AFP.

Carlos Alberto, irmão mais velho de Óscar que vive nos Estados Unidos e esperava ajudá-los, lamentou o fim da história.

"Não corra o risco de atravessar o rio com uma menina, lhe disse, é muito perigoso, esse rio é assassino (...) Não me ouviu, lamentavelmente aconteceu o que aconteceu. Que descansem em paz meu irmão e minha sobrinha", disse.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)