O presidente argentino Mauricio Macri anunciou nesta terça-feira o falecimento de Fernando de la Rúa aos 81 anos, enquanto estava hospitalizado em função de uma falência cardíaca e renal.
De la Rúa, do partido União Radical Cívica (URC), não conseguiu completar seu mandato e renunciou em 2001, em meio à pior crise econômica e política da Argentina.
Apesar de em sua mensagem Macri elogiar a trajetória democrática de seu colega, o ex-presidente dirigiu o país de forma pouco carismática e terminou seus dias desprezado pelos argentinos, que recordam dele como o chefe de Estado que abandonou a Casa Rosada de helicóptero em 2001, deixando um país em chamas.
De la Rúa, que morreu no dia da Independência da Argentina, chegou à presidência em 1999, aos 62 anos, mostrando uma imagem austera, antítese do até então presidente Carlos Menem (1989-1999), peronista histriônico que aplicara políticas neoliberais.
De la Rúa já havia sido hospitalizado no início do ano para ser submetido a uma cirurgia por um quadro cardiovascular delicado.
Após uma longa convalescença, foi novamente hospitalizado em maio devido a uma complicação renal.
A última vez que ele apareceu em público foi como convidado no jantar de gala que o governo ofereceu no Teatro Colón em novembro passado como parte da cúpula do G-20.
Nascido em 15 de setembro de 1937, ele estudou no Liceo Militar de Córdoba (centro), sua província natal, onde se formou como advogado aos 21 anos, se doutorando posteriormente.
Ele se alinhou com a ala mais conservadora da União Cívica Radical (UCR), social-democrata, onde enfrentou o ex-presidente Raúl Alfonsín (1983-1989).
Mas chegou ao governo postulado por uma coalizão de centro-esquerda, apresentando-se como "a força moral contra a frivolidade e o engodo".
Seu tom monótono e uma suposta falta de reflexos valeram a ele muitas críticas, que ele tentou reverter com uma propaganda em que admitia como uma ladainha: "Dizem que eu sou chato".
Os argentinos ainda se lembram de sua aparição atrapalhada no programa de TV mais assistido e conduzido pelo popular Marcelo Tinelli, quando foi visto perdido diante das câmeras e sem conseguir encontrar a saída do cenário.
"Tinelli teve muito a ver com minha queda", comentou De la Rúa em 2016, em alusão às imitações que um humorista desse programa fazia dele.
- Discreto -
Casado com Inés Pertiné - neta, filha e irmã de militares-, teve três hijos, Agustina, Antonio e Fernando.
Muito discrerto, o ex-presidente absteve-se de comentar tanto sobre a relação de 11 anos entre seu filho Antonio e a famosa cantora colombiana Shakira, assim como a separação conflituosa que tiveram e que foi resolvida nos tribunais.
Aos 35 anos de idade, em 1973, foi senador pela capital federal, tradicionalmente um distrito antiperonista e onde consolidou sua carreira como deputado (1991-1992) e três vezes senador (1973-1976, 1983-1989 e 1992-1996).
Em 1996, foi o primeiro prefeito de Buenos Aires eleito por voto diretor, cargo até então designado pelo presidente, e seu trampolim para a Casa Rosada.
No entanto, pouco afeito a grandes decisões, De la Rúa parecia muitas vezes estar à margem das definições políticas de seu próprio governo.
Em uma breve autobiografia escrita antes de chegar ao poder, citava entre hobbies "as plantas e os pássaros, a natureza e tudo relacionado a ela, o céu e o tempo".
Em uma entrevista com a AFP, 20 dias após sua posse e durante a celebração da chegada do ano 2000, ele se recusou a falar sobre política internacional e seu plano econômico para se referir apenas à praga de castores na região de Ushuaia.
- Crise e helicóptero -
O governo de De la Rúa começou a desmoronar em 2000, quando o vice-presidente Carlos "Chacho" Álvarez pediu demissão, em meio a um escândalo por supostamente ter pago suborno a parlamentares da oposição para aprovar uma lei de precarização trabalhista. Por esta acusação, o ex-presidente foi absolvido em 2013.
Mas ele teve de pagar pelo endividamento da chamada "festa menemista".
Em 2001, De la Rúa convocou como salvador da pátria o ex-ministro da Economia Domingo Cavallo, responsável pela economia no período Menem e mentor da conversibilidade com paridade cambial entre o peso e o dólar, lançada em 1991.
Mas uma "megatroca" da dívida e o bloqueio de depósitos (chamado 'corralito') incomodaram muito os argentinos e acabaram empurrando seu governo para o abismo, ajudado pela oposição peronista.
Após sua saída da presidência, a Argentina declarou default.
De la Rúa se considerou vítima de um "golpe civil" seguido de "intensa perseguição judicial, midiática e política", como escreveu em seu livro "Operação Política: A Causa do Senado".
Nos dias 19 e 20 de dezembro de 2001, eclodiu uma revolta popular, cuja repressão deixou mais de 30 mortos no país, cinco deles na Plaza de Mayo, no centro de Buenos Aires.
De la Rúa deixou a Casa Rosada de helicóptero, após assinar sua renúncia.
Por estas mortes, foi absolvido em 2014 pela justiça, que responsabilizou a equipe de segurança da presidência.
Sua queda foi um duro golpe para a URC, uma das duas principais forças políticas argentinas do século XX, que voltou ao governo em 2015 como parte da coalizaão Cambiemos, que levou Mauricio Macri ao poder.