O Brasil proibiu as queimadas em campos e florestas por dois meses para tentar acabar com os incêndios na Amazônia, uma medida recebida com ceticismo diante da magnitude de um fenômeno que provocou uma crise ambiental e diplomática.
O decreto, válido por dois meses a partir desta quinta-feira, foi assinado pelo presidente Jair Bolsonaro, questionado por seu apoio à expansão das atividades agrícolas e de mineração em territórios indígenas e áreas protegidas da maior floresta tropical do planeta.
A questão causa preocupação internacional e no governo, que teme por sua soberania sobre um território de 5,5 milhões de km2. A controvérsia foi exacerbada depois que o presidente francês, Emmanuel Macron, evocou a possibilidade de um "status internacional" para a região, essencial para o equilíbrio dos regimes de chuva e retenção de carbono.
O secretário-geral das Nações Unidas, Antonio Guterres, levantou a possibilidade de organizar uma reunião específica à margem da Assembleia Geral da ONU em setembro sobre a Amazônia, onde "a situação é obviamente muito séria".
O governo brasileiro, que mobilizou mais de 3.900 militares e brigadas, centenas de veículos e 18 aeronaves, disse na quarta-feira à noite que os focos de incêndio estavam diminuindo, sem fornecer números.
Dados de satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que de terça a quarta-feira houve 1.628 novos focos, totalizando 84.957 desde janeiro, mais da metade deles (51,8%) na floresta amazônica. Esse número marca um aumento de 75% em relação ao mesmo período do ano passado e é um recorde de incêndios desde 2010.
O país está na estação seca, mas especialistas dizem que o aumento dos incêndios se deve principalmente ao aumento do desmatamento impulsionado pela indústria madeireira e pelas atividades agropecuárias.
"É muito difícil acreditar que tenha um impacto imediato no terreno. Quem queima sem licença não o respeitará", disse Rodrigo Junqueira, porta-voz do Instituto Socioambiental (ISA), uma entidade científica não governamental focada em projetos sociais e ambientais.
Além disso, "a fiscalização não será mobilizada, depois de todo o desmonte do aparato ambiental", acrescentou, em referência às medidas do governo que debilitaram as instituições encarregadas da tarefa.
"O problema não é a proibição, mas o cumprimento da lei", afirmou em nota a ONG WWF.
- "Atividades criminosas" -
Em Porto Velho, capital de Rondônia, um dos estados mais afetados pelos incêndios, a fumaça diminuiu nos últimos dias, graças à chuva, apontaram repórteres da AFP.
Mas há dúvidas sobre a possibilidade de encerrar por decreto com um fenômeno vinculado à 'grilagem', a prática da apropriação ilegal de terras públicas.
O procurador do Ministério Público Federal em Rondônia Daniel Azevedo Lobo, integrante da força-tarefa Amazônia, cerca de "70% do desmatamento decorre da atividade de organizações criminosas, não são pessoas que isoladamente estão praticando o desmatamento".
"Nas terras existem pessoas enganadas, pessoas pobres, gente que está à serviço de outras pessoas, que são aquelas que realmente promovem o desmatamento e a grilagem", explica o procurador.
"Em Rondônia e em toda a Amazônia, há grupos organizados, estruturados, voltados à grilagem, que atuam interconectados com grupos de outros lugares. Muitos são madeireiros que atuam onde a terra está sendo grilada. Onde há grilagem tem serrarias", detalha.
Ele observa que "o desmatamento - não é de hoje. Existe um histórico de ocupação do solo na Amazônia, embora tenha se intensificado nos últimos tempos, e o discurso de Bolsonaro não ajuda".
Os países do G7 ofereceram 20 milhões de dólares para os países amazônicos afetados pelos incêndios, mas o Brasil - o maior deles - condicionou a aceitação a uma retratação de Macron por ter dito que Bolsonaro "mentiu" em seus compromissos de preservação ambiental e por ter evocado o "status internacional" para a região.
A WWF afirmou que "a maior parte do desmatamento é ilegal e acontece em terras públicas, áreas protegidas, reservas indígenas.
O cardeal peruano Pedro Barreto, um dos principais impulsionadores do sínodo amazônico do Vaticano, a ser realizado em outubro, disse em Lima que "não se trata mais de retirar ou não retirar palavras", mas de "buscar o bem comum", que está acima de qualquer disputa pessoal".
A crise preocupa as empresas exportadoras brasileiras e dá argumentos aos adversários na Europa do recente acordo de livre comércio assinado entre o Mercosul e a União Europeia.
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