O líder indígena Ailton Krenak afirma que o presidente Jair Bolsonaro deve ser "condenado internacionalmente" por sua ofensiva contra as reservas indígenas, que ele pretende abrir à mineração, uma ameaça para a Floresta Amazônica e o equilíbrio do clima no planeta.
O dirigente, de 65 anos, sabe do que fala. Os Krenaks vivem como "refugiados em seu próprio território" nas margens do rio Doce, atingido em 2015 pelo rompimento da barragem de Fundão, da mineradora Samarco (controlada pela Vale e pela australiana BHP Billiton), no município de Mariana (Minas Gerais).
Em seu último livro, "Ideias para adiar o fim do mundo", Ailton Krenak alerta sobre o crescimento em todo mundo de uma "intolerância muito grande com relação a quem ainda é capaz de experimentar o prazer de estar vivo, de dançar, de cantar" e afirma que sem uma transformação profunda nos tornaremos uma humanidade de "zumbis".
- O constituinte pintado -
Krenak ficou conhecido em 1987 quando discursou no plenário Câmara dos Deputados durante a Assembleia Constituinte em defesa dos direitos dos povos indígenas, vestindo um terno branco, enquanto pintava o rosto com as mãos usando tintura de jenipapo, segundo as tradições de seu povo, para expressar sua tristeza.
A Constituição de 1988, elaborada após a longa ditadura militar (1964-1985), finalmente garantiu aos povos indígenas o direito de ocupar suas terras ancestrais, demarcadas pelo Estado.
A aplicação dessa medida sempre foi envolvida por conflitos e sob suspeita dos militares nacionalistas de comprometer a soberania do Brasil, com o apoio de ONGs internacionais.
Mesmo assim, atualmente existe 1,17 milhão de km2 de terra demarcada (13,8% da superfície do país), onde vivem 800.000 indígenas.
"Muita terra para pouco índio", disse Bolsonaro na semana passada, quando os incêndios se multiplicaram na Amazônia, principalmente por causa das atividades de desmatamento, segundo especialistas. Em meio a essa tragédia ambiental, o presidente acrescentou que acabaria com a "psicose da demarcação".
Krenak multiplica suas ações para combater essa ofensiva e considera que conceder o Prêmio Nobel da Paz ao cacique Raoni - que recentemente teve um encontro com o Papa Francisco - seria uma "excelente" oportunidade para o mundo entender a importância da causa indígena.
A AFP entrevistou Krenak na noite de sábado no Instituto Moreira Salles, no Rio de Janeiro, onde apresentou uma exposição da fotógrafa Claudia Andujar sobre os Ianomâmis, uma etnia que trava uma longa luta pela sobrevivência na fronteira entre Brasil e Venezuela.
A seguir, algumas de suas declarações.
- Novos perigos para a Amazônia
"Eu acho que (a situação atual) é um perigo novo. É um perigo novo porque o capitalismo nunca esteve tão enlouquecido como agora. As corporações derrubam governo e elegem governo. (...) Aí, abre uma situação de violência, de descontrole, onde o interesse privado governa as nações e os povos, e o interesse público está cada vez mais reduzido, negado. O interesse público é como se fosse um absurdo. As políticas públicas são como se fossem uma palhaçada".
- Mineração nas reservas indígenas
"Com o contexto de mudanças climáticas no planeta, a corresponsabilidade dos povos, inclusive dos povos indígenas, é diminuir a intensidade das atividades de regiões onde a ecologia tem o papel regulador do clima planetário, que é o caso da Amazônia, e outras regiões onde os povos indígenas guardam diferentes territórios. Esse tipo de comentário é uma ofensa e deveria ser punido com uma condenação internacional".
- Soberania nacional e ONGs
"Esse assunto nem me toca na verdade, porque nós somos ocupados pelas corporações (...) Se o Estado tem algum problema com as ONGs, deveria ter algum problema com as corporações também".
- Resistências
"Se os brancos não forem capazes de resistir à agressão contra as florestas, aos rios, ao meio ambiente, vão destruir tudo".
- Nobel para Raoni
"Eu acho que qualquer espaço que for dado para a voz e para o pensamento indígena é bom. Se Raoni receber o Nobel, o qualquer outro prêmio, ele vai estar compartilhando isso com o povo Caiapó, com os povos indígenas, com todos nós, e isso é ótimo".
- Situação do povo krenak
"Não é de agora. Nós estamos há três anos no rio Doce sendo abastecidos por caminhão-pipa, sendo supridos por água mineral que vem de fora, e recebendo ração, né? Recebendo as cestas básicas para manter o povo acampado à beira de um rio que está em coma. Então isso é uma situação alarmante, é grave. Gente refugiada dentro de seu próprio território, já é uma ofensa e é grave. E as mineradoras, as empresas que causaram isso, estão por aí, operando com licença pública, com licença do governo. Eu acho escandaloso a situação que nós estamos vivendo no país".