Jornal Estado de Minas

Monte Paektu: a 'terra santa' do regime norte-coreano

A propaganda oficial diz que é ali, numa pequena cabana nesta montanha sagrada, que Kim Jong Il, pai e antecessor do presidente norte-coreano Kim Jong Un, nasceu. A guia, que lidera um grupo de visitantes, anuncia com entusiasmo: "Bem-vindos à terra santa da nossa revolução".

Apesar do regime da Coreia do Norte ser ateu e se basear em sua própria ideologia, a Juche, que defende que "o homem é o mestre de todas as coisas", o governo atribui uma auréola quase religiosa ao Monte Paektu, um vulcão inativo na fronteira entre o país e a China.

Esta montanha é considerada o berço desta nação pois, segundo o relato oficial, ali nasceu Kim Jong Il, filho e sucessor do fundador do regime comunista norte-coreano Kim Il Sung, que viu o filho nascer num campo secreto da guerrilha que ele liderava contra a ocupação japonesa.

Desde então, tornou-se um local de peregrinação pelo qual passam todo ano dezenas de milhares de norte-coreanos instruídos no culto de seus líderes.

Kim Jong Il "nasceu nestas condições difíceis", explica a guia Kim Un Sim. "Não foi numa residência de luxo, mas numa cabana de madeira" durante um inverno rigoroso em que temperaturas de 40ºC abaixo de zero foram atingidas, garante ela.

Por conta dessas dificuldades, Kim Jong Suk, mãe do antigo líder e que também integra o panteão revolucionário norte-coreano, só tinha para comer uma sopa feita com ervas secas e milho, explica.

- O nascimento -

"Os guerrilheiros choraram por misericórdia ao ver nosso general, que tinha apenas alguns meses e não tinha muito o que comer, e por isso lhe ofereceram comida e leite de cabra ", continua Kim Un Sim, que com sua descrição evoca a Natividade de Jesus Cristo.

Segundo a guia, esse campo secreto foi desde 1936 a base a partir da qual Kim Il Sung organizou a resistência que "finalmente permitiu a libertação histórica do país", após 35 anos de ocupação japonesa na península coreana.

Em nenhum momento cita a importância na rendição japonesa dos bombardeios atômicos em Hiroshima e Nagasaki efetuados pelo exército americano em 1945.

O Partido do Trabalho da Coreia e a dinastia Kim baseiam sua legitimidade na atuação de Kim Il Sung na luta pela independência.

O monte Paektu também foi o local de nascimento do lendário rei Tangun, fundador do primeiro reino coreano.

- 100.000 visitantes por ano -

Situar neste vulcão o nascimento de Kim Jong Il liga a dinastia Kim a história do país, estabelecendo assim, segundo a propaganda oficial, que o atual líder Kim Jong Un pertence à "linhagem Paektu".

Já historiadores estrangeiros consideram, no entanto, que Kim Il Sung passou grande parte da guerra no exílio lutando contra tropas japonesas na China ocupada e comandando uma unidade soviética.

De acordo com antigo regime soviético, o nascimento de Kim Jon Il ocorreu na cidade siberiana de Vyatsko, em 16 de fevereiro de 1941, um ano antes da data estabelecida por Pyongyang.

Após a guerra, o campo foi abandonado e invadido pela vegetação, mas em 1986, Kim Il Sung ordenou a construção de três cabanas.

Desde então, mais de 100 mil norte-coreanos visitam o acampamento, o Monte Paektu e outros lugares nesta área apresentados como espaços emblemáticos da resistência.

Vestidos com uniformes de cor cáqui semelhantes aos dos guerrilheiros, circulam por esses locais com uma bandeira vermelha nas mãos e vão até o topo do vulcão, onde cantam canções patrióticas e leem um texto de Kim Jong Il apresentando o Monte Paektu como "a montanha sagrada da revolução ".

"Todo mundo necessita de pilares espirituais", defende Ri Yong Myong, pesquisador da literatura coreana na Universidade Kim Il Sung de Pyongyang.

No entanto, de acordo com uma autoridade ocidental bem informada sobre a realidade norte-coreana, o culto ao Monte Paektu reflete a presença da propaganda do regime entre seus habitantes e a compara à "Europa medieval e ao papel da Igreja e sua doutrina".

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