"Nunca se dê por vencido" é a frase com a qual Mario Draghi resumiu nesta quinta-feira (24) seus oito anos na presidência do Banco Central Europeu (BCE), antes de passar o comando a Christine Lagarde, insistindo perante a imprensa em sua determinação de proteger o euro durante um mandato tumultuado, marcado por crises e críticas.
"De certa maneira, isso faz parte de nossa herança: nunca se dê por vencido", declarou em sua última coletiva de imprensa, que será acompanhada na segunda-feira da passagem formal do cargo à ex-diretora do Fundo Monetário Internacional (FMI).
A frase, que deliberadamente deixa "aos historiadores" o balanço detalhado de sua política monetária, lembra uma que já entrou para a posteridade: quando ele se comprometeu em 2012 a fazer "o que for necessário" ("whatever it takes") para proteger a moeda única.
Essa saída inesperada, rompendo com a comunicação previsível de seus antecessores, acalmou os mercados na ocasião e agora, e sintetiza toda a energia empregada pelo BCE para estimular a economia, fixando as taxas de juros no nível mais baixo e recomprando 2,6 trilhões de euros em dívidas.
"Se há uma coisa da qual me orgulho é a maneira como o conselho de governadores e eu cumprimos consistentemente nosso mandato. Coletivamente, podemos ter muito, muito orgulho", insistiu Draghi.
- Pedido de unidade -
O banqueiro italiano, no entanto, não conseguiu aproximar a inflação da zona do euro de sua meta de 2%, deixando a tarefa complexa de herança para Lagarde. Ela terá de implementar as últimas medidas anunciadas em setembro, no âmbito de uma instituição profundamente dividida.
O arsenal de medidas revelado no final do verão no hemisfério norte, que inclui um corte nos juros e uma reativação controversa das recompras de dívidas, recebeu críticas dos presidentes dos bancos centrais na Alemanha e na Holanda.
Dias depois, Sabine Lautenschlager, membro alemã do conselho do BCE, renunciou em sinal de desacordo com a política aplicada.
"Todas as instituições discordam quando se trata de discutir decisões de política monetária", disse Draghi na quinta-feira, preferindo destacar "o apelo à unidade" de um dos oponentes de sua política, enquanto outra considera que "passado é passado".
Muitas vezes considerado um solitário que impõe suas opiniões, a verdade é que Draghi salvou o euro em meio à crise da dívida. Sob seu mandato, "a deflação e o desemprego declinaram" e o BCE se tornou "um banco central moderno com uma panóplia de ferramentas novas e flexíveis", resume Frederik Ducrozet, estrategista da Pictet Wealth Management.
"Obrigado, senhor Draghi!", escreveu o jornal alemão de centro-esquerda Süddeutsche Zeitung nesta quinta-feira, afirmando que sua política "salvou muitos empregos" em um contexto difícil e que baixas taxas de juros permitem que os Estados invistam.
- Quais ferramentas Lagarde tem? -
Mas Draghi pagou o preço de sua política de dinheiro abundante e barato, muito criticada no norte da Europa, especialmente na Alemanha e na Holanda. Nesta quinta-feira, o presidente do instituto econômico alemão Ifo, Clemens Fuest, lamentou que o BCE "usasse a alavanca para estimular a inflação", correndo o risco de causar bolhas financeiras, prejudicando os poupadores e exonerando os governos "de suas responsabilidades".
A médio prazo, porém, há uma dúvida crescente sobre a eficácia do apoio monetário também respaldado pela zona do euro: após cinco anos bastante favoráveis e 11 milhões de empregos criados, o crescimento desacelera acentuadamente, especialmente no setor industrial, por causa de "incertezas prolongadas".
Além disso, agora que "colocou a política monetária no piloto automático", com um rumo conciliatório, "o problema para Lagarde é que o pacote de medidas de apoio está quase vazio", segundo James Bentley, diretor do Financiel Markets Online.
"Se a conjuntura continuar enfraquecendo na zona do euro, ela terá cada vez menos ferramentas para recuperá-la", alerta esse analista.