La Paz – A Bolívia amanheceu ontem sob tensão máxima. O partido governista convocou a população a ocupar as ruas de La Paz para defender a reeleição do presidente Evo Morales para o quarto mandato. Ao mesmo tempo, a rebelião comandada pela polícia de três cidades, iniciada na véspera, ganhou adesões em mais seis regiões. O presidente da Bolívia reagiu e denunciou um golpe de Estado "em marcha". “Nossa democracia está em risco pelo golpe de Estado colocado em marcha por grupos violentos que atentam contra a ordem constitucional”, tuitou Morales.
Ontem, ele convocou um diálogo com os partidos políticos que ganharam assentos no Congresso nas eleições de 20 de outubro, mas não incluiu os comitês cívicos responsáveis por liderar os protestas para que ele renuncie. As manifestações já deixaram três mortos e cerca de 250 feridos, além de limitar a circulação da população e o comércio.
"Convoco ao diálogo os partidos que obtiveram congressistas nas últimas eleições nacionais, são quatro partidos", disse Morales em uma mensagem à nação, na qual pediu também aos policiais que ponham fim a seus motins e retomem os trabalhos de preservação da segurança. "Convoco com uma agenda aberta para pacificar a Bolívia. Convoco de forma urgente, imediata, depois desta coletiva de imprensa", acrescentou.
A rebelião das forças de segurança começou na sexta-feira à tarde na Unidade Tática de Operações Especiais da Polícia (Utop), na cidade central de Cochabamba, e se expandiu inicialmente aos comandos da polícia de Sucre (Sul) e Santa Cruz, rica região do Leste do país e reduto de oposição.
Os agentes da Utop de La Paz que mantinham há semanas restrito o acesso à Plaza Murillo, onde fica a sede do governo, retornaram aos quartéis ontem em sinal de apoio aos motins. A região seguia custodiada apenas por oficiais e suboficiais da unidade.
No mesmo tom de Morales, o ministro de Governo, Carlos Romero, disse que está em marcha uma "mobilização de caráter político (que) transcende a ordem constituinte e pretende vulnerar a institucionalidade", enquanto a chancelaria publicou comunicado denunciando que os líderes opositores "impulsionam um plano de golpe de Estado".
O governo descartou enviar tropas militares para enfrentar os policiais rebeldes, segundo o ministro da Defesa, Javier Zavaleta. A oposição comemorou a insubordinação dos agentes e pediu às Forças Armadas que não intervenham.
'Defesa do voto'
O partido governista Movimiento al Socialismo (MAS) convocou "toda a militância, organizações sociais e simpatizantes" dos nove departamentos a La Paz para defender o "voto do campo e da cidade em favor da chapa vencedora das eleições: Morales e o vice-presidente Álvaro García Linera.
Camponeses que apoiam o presidente boliviano fizeram uma emboscada ontem na localidade rural de Vila Vila (a 165 quilômetros de La Paz) contra vários ônibus que transportavam opositores desde o Sul do país até a capital para engrossar o movimento que pressiona pela renúncia de Morales, informou o dirigente do MAS, Rodrigo Echalar, à televisão universitária.
Até agora, as ruas de La Paz estavam ocupadas principalmente por manifestantes opositores, que confraternizaram na sexta-feira à noite com os policiais que durante as três noites anteriores reprimiam os protestos. Na Avenida Prado, a principal de La Paz, dezenas de policiais marcharam em uma coluna de opositores gritando slogans contra Morales.
Os ex-presidentes Carlos Mesa (2003-2005, segundo lugar nas eleições de 20 de outubro), Jaime Paz Zamora (1989-1993) e Jorge "Tuto" Quiroga (2001-2002) pediram às Forças Armadas que não reprimam os opositores.
A rebelião policial começou no momento em que o líder regional Luis Fernando Camacho, o nome mais radical da oposição, buscava aliados para ir amanhã levar uma carta de renúncia a Morales. Advogado de 40 anos e líder do Comitê Cívico Pró-Santa Cruz, Camacho agradeceu aos agentes e pediu à "família militar" que cumpra seu "compromisso com o povo boliviano".
O governador e o prefeito da região mineradora de Potosí, no Sul, renunciaram ontem em meio à onda de violência. "Não vou me agarrar ao cargo", disse o governador, Juan Carlos Cejas, acrescentando que não quer colocar sua família em risco. O prefeito da cidade de Potosí, Williams Cervantes, renunciou horas depois, afirmado que é preciso "pacificar o país".