A presidente da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, qualificou o presidente Donald Trump como uma ameaça contínua à democracia americana e a Casa, radicalmente dividida, se envolveu em um debate sobre o impeachment antes da votação histórica sobre duas acusações de abuso de poder e de obstrução do Congresso contra o republicano.
Controlada pelos democratas, a Câmara iniciou um debate planejado para durar seis horas em que tratará dos dois artigos de impeachment - ou acusações formais - decorrentes das ações de Trump em relação à Ucrânia, e cujo tempo será fracionado igualmente entre os dois partidos sem direito a emendas.
Trump pode se tornar o terceiro presidente americano a ser impedido na Câmara. Antes deles, sofreram a medida Andrew Johnson, em 1868, e Bill Clinton, em 1998. Richard Nixon renunciou em 1974 antes de o Congresso votar as acusações contra ele.
"Hoje estamos aqui para defender a democracia para o povo", disse Pelosi, a democrata mais graduada do Congresso, em um discurso no plenário da Câmara depois de ler o juramento de lealdade, o que lhe rendeu aplausos de parlamentares de seu partido.
Enquanto o debate prosseguia, Trump usou o Twitter para rotular os procedimentos a cargo dos democratas como "uma agressão à América" e ao seu partido.
Em uma série de discursos no plenário da Câmara, republicanos defenderam o presidente e acusaram os democratas de tentarem depô-lo usando um processo injusto e manipulado para anular os resultados da eleição de 2016.
Votações separadas de cada uma das acusações devem ocorrer no início da noite e seguir os alinhamentos partidários - democratas a favor e republicanos contra.
"Se não agirmos agora, estaríamos negligenciando nossa função. É trágico que as ações irresponsáveis do presidente tornem o impeachment necessário", acrescentou Pelosi.
"Ele não nos deu escolha. O que estamos debatendo hoje é o fato estabelecido de que o presidente violou a Constituição. É um fato que o presidente é uma ameaça contínua à nossa segurança nacional e à integridade de nossas eleições - a base de nossa democracia", disse a presidente da Câmara.
Depois de Pelosi, o deputado Doug Collins, o republicano mais graduado da Comissão Judiciária da Câmara, disse: "Este é um impeachment com base na suposição. Isto também é basicamente um impeachment testado em pesquisas sobre o que realmente convence o povo americano... Justo é que não é. Sobre a verdade é que não é."
Carta de Trump
Em uma carta de mais de cinco páginas em tom raivoso divulgada na terça-feira, Trump disse à Pelosi que "a história a julgará duramente". Relembrando um famoso erro judicial do século 17, ele garantiu que teve menos direitos do que "aqueles acusados nos julgamentos das Bruxas de Salem".
Além disso, em declarações a jornalistas na Casa Branca, Trump voltou a rejeitar as acusações. "É uma farsa total", afirmou. Ao ser questionado sobre se tem alguma responsabilidade nesta crise, limitou-se a responder que "nenhuma".
Na carta, acusou Pelosi de ser culpada. "É você que interfere nas eleições dos Estados Unidos. É você que mina a democracia americana. É você que obstrui a Justiça. É você que traz dor e sofrimento para nossa república, para seu benefício próprio - pessoal, político e partidário", escreveu.
"Isso não é nada mais do que um golpe de Estado ilegal e partidário", insistiu Trump.
Caso ucraniano
Menos de três meses após a eclosão do escândalo ucraniano, a Câmara dos Deputados, votará para decidir se acusa Trump de "abuso de poder" e "obstrução do Congresso".
A primeira acusação diz respeito ao pedido feito por Trump à Ucrânia para que investigasse seu possível adversário eleitoral em 2020, o ex-vice-presidente dos EUA Joe Biden. Em troca, Trump daria uma crucial ajuda militar para o país que enfrenta uma guerra com separatistas pró-russos.
A segunda acusação se refere à tentativa de bloquear os esforços dos legisladores para investigar as ações do presidente republicano. Tudo indica que os legisladores votarão de forma partidária, refletindo a profunda divisão da opinião pública.
De acordo com uma pesquisa CNN/SSR, 45% dos americanos querem que Trump seja afastado do cargo (um porcentual que sobe para 77% entre os eleitores democratas), enquanto 47% são contra.
Um grupo de parlamentares democratas moderados, eleitos em circunscrições eleitorais ligadas a Trump, disse que apoiará o julgamento do presidente, mesmo correndo o risco de perder eleitores.
"Meus anos de serviço no Exército me ensinaram a colocar nosso país em primeiro lugar, não a política", declarou Mikie Sherrill, congressista por Nova Jersey.
"Sei que minha decisão vai incomodar algumas pessoas, mas fui escolhido para fazer a coisa certa, não a politicamente segura", acrescentou Anthony Brindisi, representante de Nova York.
Julgamento no Senado
O julgamento de Trump no Senado provavelmente acontecerá em janeiro. Por enquanto, nas condições políticas atuais, a previsão é de que o presidente seja absolvido na Câmara Alta: seriam necessários pelo menos 67 votos para afastá-lo do cargo, e os republicanos ocupam 53 dos 100 assentos.
O líder republicano na Casa, Mitch McConnell, declarou na terça que "a investigação apressada" dos democratas da Câmara, visando à destituição do presidente, é um fracasso e rejeitou a exigência democrata de convocar novas testemunhas.
"Não é tarefa do Senado procurar desesperadamente maneiras de condenar (o presidente). Isso dificilmente seria uma Justiça imparcial", criticou McConnell.
Disputa em 2020
Uma vez terminado o julgamento, republicanos e democratas mergulharão novamente na campanha para as eleições presidenciais de novembro de 2020, relegadas a segundo plano neste último trimestre.
Trump está convencido de que este episódio o beneficiará. Em um tuíte, ele observou que uma pesquisa recente do jornal "USA Today" faz dele um vencedor contra todos os possíveis candidatos democratas. (Com agenciais internacionais)