O presidente iraniano Hassan Rohani declarou nesta quarta-feira, depois de ataques noturnos com mísseis iranianos contra bases iraquianas usadas por Washington no Iraque, que ficou demonstrado que o Irã não recuará ante as ameaças dos Estados Unidos.
"Se os Estados Unidos quiserem cometer outro crime, devem saber que receberão uma resposta mais firme", acrescentou Rohani falando no Conselho de Ministros, "mas se forem sábios, não farão mais nesta fase".
O Irã disparou mísseis contra bases que abrigam soldados americanos e estrangeiros no Iraque em retaliação ao assassinato, por parte de Washington, de seu poderoso general Qassem Soleimani.
Na mesma hora em que o arquiteto da estratégia iraniana no Oriente Médio foi morto na sexta-feira passada por ordem do presidente americano Donald Trump, o Irã lançou sua "Operação Mártir Soleimani".
Em meia hora, 22 mísseis caíram em duas bases iraquianas, Ain al-Assad (oeste) e Erbil (norte), onde estão mobilizados parte dos 5.200 soldados americanos no Iraque.
A televisão estatal iraniana afirmou que os mísseis mataram 80 americanos, citando uma "fonte informada" dentro da Guarda Revolucionária. Esse balanço não foi confirmado.
"A avaliação dos danos e das vítimas está em andamento. Até agora, tudo está bem!", tuitou Trump, prudente, acrescentando que faria uma declaração ao longo do dia.
Tanto o governo iraquiano, quanto as forças da coalizão foram avisados direta ou indiretamente da iminência de um ataque, segundo fontes iraquianas e militares.
Já o guia supremo iraniano, o aiatolá Ali Khamenei, chamou a operação de "um tapa na cara" dos Estados Unidos, considerando, porém, que "ações militares desse tipo não são suficientes para este caso". "É necessário que a presença corrupta dos Estados Unidos na região termine", insistiu.
"Não estamos buscando escalada ou guerra, mas nos defenderemos", acrescentou Mohammad Javad Zarif, chefe da diplomacia iraniana, explicando que as represálias "proporcionais" da noite "terminaram".
Esses ataques, que segundo o Exército iraquiano não causaram baixas em suas fileiras, não provocaram uma resposta imediata, mas levantaram temores de escalada regional e de conflito aberto.
Foi a primeira resposta militar iraniana à morte do general e as reações não tardaram. A União Europeia considerou uma "escalada", enquanto o Reino Unido, a França e a Alemanha condenaram a ação.
Em Bagdá, o presidente Barham Saleh denunciou o disparo de mísseis iranianos, dizendo rejeitar "que o Iraque seja transformado em um campo de batalha para as partes envolvidas no conflito".
"Resposta pública"
Para o especialista em grupos armados xiitas Phillip Smyth, "mísseis balísticos lançados abertamente do Irã contra alvos americanos marcam uma nova fase".
O Irã "enviou uma resposta pública que poderia ser seguida por ações de agentes terceiros", como as numerosas facções armadas pró-Teerã no Iraque, Líbano ou Síria, estimou.
Os paramilitares pró-Irã no Iraque já prometeram uma resposta "não menos importante" do que a do Irã.
Coincidindo com o aumento da tensão, um Boeing ucraniano caiu nesta quarta-feira após decolar de Teerã com destino a Kiev, matando cerca de 170 pessoas - a maioria iranianas e canadenses. A causa do acidente ainda não foi revelada. As caixas-pretas do avião já foram encontradas.
Como um sinal de que mais violência é temida, a Agência Federal americana de Aviação (FAA) proibiu as aeronaves civis americanas de sobrevoarem o Iraque, o Irã e o Golfo.
Várias companhias aéreas, incluindo Lufthansa, Air France e KLM, também suspenderam seus voos nos espaços aéreos do Irã e do Iraque.
Os preços do petróleo subiram mais de 4,5% esta manhã na Ásia, antes de diminuírem seus ganhos.
A Guarda Revolucionária, o exército ideológico iraniano, aconselhou Washington a retirar suas tropas do Oriente Médio para "evitar mais baixas". Também ameaçou "governos aliados" dos Estados Unidos, principalmente dos Estados do Golfo.
Nas ruas do Irã, o funeral do general Qassem Soleimani, assassinado em Bagdá com o iraquiano Abu Mehdi al-Mohandis, líder dos paramilitares pró-Irã agora integrados às forças de segurança iraquianas, foi pontuado por pedidos de "vingança" e gritos de "morte à América".
O enorme cortejo fúnebre em Kerman (sudeste), cidade natal do general, terminou em um tumulto que deixou 56 mortos e 213 feridos, de acordo com o último balanço oficial.
"A pior coisa"
Mesmo antes dos ataques aéreos da noite, vários Estados membros da coalizão antiextremista liderada pelos Estados Unidos anunciaram que retirariam seus soldados do Iraque, depois de dezenas de ataques com foguetes contra as bases que os abrigam.
Se França e Itália anunciaram sua intenção de permanecer no Iraque, canadenses e alemães anunciaram na terça a transferência de parte de seus soldados para Jordânia e Kuwait. A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) decidiu retirar temporariamente parte de seu pessoal.
Já Trump descartou qualquer saída do Iraque, mesmo que um comunicado enviado, segundo o Pentágono, por engano tenha indicado o contrário.
A retirada das tropas americanas "seria a pior coisa que poderia acontecer ao Iraque", disse o inquilino da Casa Branca.
Depois da falsa retirada total das tropas americanas da Síria, anunciada por Donald Trump duas vezes no ano passado, esse é outro golpe na luta contra o grupo Estado Islâmico (EI), que mantém células jihadistas no Iraque e na Síria, apesar de sua derrota territorial.
O ataque em Bagdá que matou Soleimani acentuou o sentimento antiamericano no Oriente Médio e criou um raro consenso contra Washington, mesmo nas fileiras dos opositores ao regime iraniano.
O Parlamento iraniano decretou todas as forças armadas americanas como "terroristas" e, pouco depois, as facções pró-Irã no Iraque anunciaram que formaram uma frente comum para coordenar com o Irã e o Hezbollah libanês, aliado de Teerã, "uma resposta severa e estudada contra as forças terroristas americanas".
"Os Fuzileiros Navais americanos devem retornar imediatamente para seus esconderijos para preparar seus caixões, porque 'os batalhões de resistência internacional' foram formados", ameaçaram os grupos armados.
Em Washington, Trump também pareceu voltar atrás em sua ameaça de atingir locais culturais iranianos, dizendo que "gosta de respeitar lei".
O debate é acirrado sobre a legalidade do tiro de drone que pulverizou o carro em que Soleimani estava, mesmo se seu secretário de Estado, Mike Pompeo, assegure que Trump tinha as "bases legais".