Embora a defesa da Amazônia e das suas formas tradicionais de vida receba apoio do papa Francisco, de Hollywood e das ONGs, dentro do Brasil, o tema tem um espaço limitado para a discussão política e enfrenta uma ofensiva do presidente Jair Bolsonaro que divide opiniões.
A necessidade de ser ouvido dentro do próprio território foi um dos temas em discussão durante um encontro que reuniu cerca de 300 lideranças indígenas da última terça-feira (14) a esta sexta-feira (17) na aldeia Piaraçu, nas margens do rio Xingu, situado no estado do Mato Grosso. A reunião foi convocada pelo cacique kayapó Raoni.
"Estão nos atacando e estamos perdendo os nossos direitos. É necessário que a sociedade compreenda o papel dos povos indígenas para a preservação do planeta", disse Sônia Guajajara, coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), à AFP.
A estratégia de Guajajara, que foi a primeira indígena a disputar uma eleição - como vice-presidente pelo PSOL, em 2018 -, é de articular candidaturas de mulheres indígenas, "porque são esses espaços da política institucional que você tem voz e poder de pautar e aprovar".
O objetivo é complexo, em um país onde os indígenas representam menos de 0,5% da população - cerca de 900 mil habitantes - e são praticamente invisíveis em Brasília.
No último ano, pela primeira vez uma mulher indígena, Joenia Wapichana, foi eleita deputada federal. A última vez que um representante dos povos originários havia ocupado um assento no Congresso foi em 1987.
Guajajara, vestida com um enorme cocar de penas verdes e azuis e com o rosto pintado com linhas pretas, anunciou que em maio será lançada uma caravana de mulheres indígenas para promover as eleições municipais em outubro.
Apesar de todos os impasses internos, a questão indígena ganhou visibilidade por causa dos múltiplos incêndios na Amazônia e aos projetos do presidente Bolsonaro de abertura das terras indígenas à mineração e às atividades agropecuárias.
Segundo uma pesquisa da Datafolha, divulgada em agosto do último ano, 51% dos brasileiros reprova o comportamento de Bolsonaro diante dos anúncios sobre o desmatamento e os incêndios.
- Indígenas bolsonaristas -
Em 2018, Bolsonaro declarou que não demarcaria "um centímetro a mais" de terras indígenas, que atualmente correspondem a 12% do território nacional, por considerar que ao fazer isso facilitaria os interesses estrangeiros de se apoderar dos recursos da Amazônia. Na época também, o presidente comparou os índios que vivem nas reservas a animais em zoológicos.
Essas opiniões são repudiadas por Raoni.
"Os indígenas aqui não aceitam a contaminação do ar e dos rios, nem querem os mineradores e madeireiros em suas terras", disse o cacique de aproximadamente 89 anos à AFP.
Porém, Bolsonaro começa a encontrar apoio entre os indígenas. No Brasil, há cerca de 300 etnias com quase a mesma quantidade de línguas.
Entre os apoiadores, está a jovem youtuber Ysani Kalapalo, que tem mais de 300 mil inscritos em seu canal de vídeos, no qual critica ONGs, os governos de esquerda e o próprio Raoni.
Em setembro do último ano, Kalapalo acompanhou Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU, diante da qual o presidente brasileiro leu uma carta de um grupo de agricultores indígenas do Brasil, que denunciavam "o ambientalismo radical e o indigenismo ultrapassado".
Na mesma época, membros do povo Munduruku bloquearam por cinco dias a BR-163, estrada-chave no estado do Pará, para exigir a liberação de ouro em suas terras, sob o argumento de que isto será uma importante fonte de renda para a comunidade.
"Alguns parentes estão apoiando as ideias de Bolsonaro, outros estão contra o governo. Realmente há uma divisão", admite Raoni, que foi mencionado como possível candidato ao Prêmio Nobel da Paz em 2019.
A reunião de líderes indígenas deve anunciar nesta sexta-feira uma aliança com outras comunidades da floresta.
"A causa ilegal não pode vencer, então estamos nos juntando para nos defender do governo (...) Estou muito preocupado com o meu povo e por isso devo ir lá fora buscar apoio para nos defender", ressaltou o cacique.
Na aldeia Piaruçu, a liderança de Raoni aparenta ser indiscutível.
Durante as discussões, o cacique - que ostenta o rosto e corpo pintados e um enorme alargador no seu lábio inferior - permanece sentado junto a outros líderes mais velhos em um local repleto de homens.
A enorme oca tem bancos de madeira encostados em suas estruturas, mas para o encontro foram colocadas dezenas de cadeiras plásticas amarelas.
Raoni carrega sempre consigo um enorme cajado de madeira. E quando fala ou dança, todos o observam em silêncio ou extremamente atentos.