O judeu, o bruxo, a prostituta, o corcunda, entre outros, fazem parte de uma longa lista de "culpados" apontados ao longo dos séculos, a cada epidemia, e os asiáticos temem ser o bode expiatório da vez, em meio ao surto do novo coronavírus.
O temor dos asiáticos não é sem sentido, já que várias reações racistas contra eles, sem distinção de nacionalidade, ou origem, explodiram desde o início da epidemia.
"Basta que você tenha os olhos um pouco rasgados! Eu vejo como as pessoas olham pra gente, quando saio às ruas com meu namorado tibetano", reclama Mei Ka, uma japonesa que vive na Bélgica, na página do site antirracista Ásia 2.0 no Facebook.
Na França, onde foram registrados os primeiros casos na Europa de pacientes com o novo coronavírus, há uma semana uma hashtag junto com vários depoimentos de xenofobia - #JeNeSuisPasUnVirus, #IAmNotAVirus, #NãoSouUmVírus - se espalha nas redes sociais.
A hashtag não é nova. Foi usada por afro-americanos nos Estados Unidos em 2014, depois da morte de um liberiano infectado com o vírus do ebola nesse país.
"É revelador de uma experiência comum vivida pelas populações estigmatizadas neste tipo de situação", disse à AFP a criadora da hashtag na França, pedindo para não ser identificada.
O fenômeno não se limita ao mundo ocidental. Há pouco, no Cazaquistão, dois chineses que se dirigiam para Nur-Sultan foram retirados de um trem para serem examinados por médicos vestidos com trajes especiais. Eles não tinham nada e, pouco depois, o hospital local de Chu (sul) declarou que estavam "completamente saudáveis".
No Quirguistão, o deputado Kamchybek Joldoshbayev pediu a seus compatriotas, na quarta-feira passada, que "evitem o contato" com qualquer cidadão chinês e pediu às autoridades que "tomem medidas" nos grandes bazares de Bishkek. Muitos comerciantes são chineses.
- Medos ancestrais -
"Em cada epidemia, busca-se encontrar um, ou vários bodes expiatórios", disse o imunologista Norbert Gualde, autor de vários livros sobre os vírus.
Trata-se de "comportamentos ancestrais que persistem", afirmou.
"Se designa um grupo humano 'culpado', como os judeus, os leprosos, os corcundas, as prostitutas, as pessoas que não vão à missa, os homossexuais...", completou.
"É algo recorrente durante as epidemias. Alguns povos, como os judeu, pagaram muito caro na história das epidemias", lembrou ele.
No século XIV, por exemplo, judeus foram massacrados na Europa por serem considerados culpados pela peste.
Para Alain Epelboin, antropólogo e especialista do ebola, "quando aparece uma epidemia, sempre se busca a causa da desgraça".
Com frequência, "os primeiros bodes expiatórios são os sobreviventes. Primeiro, são acusados de serem perigosos e são postos em quarentena e, se forem os únicos membros de sua família a sobreviver, às vezes, em alguns países, podem ser acusados de bruxaria", explicou.
E, da busca de culpados para teorias conspiratórias, é apenas um passo.
"As teorias conspiratórias funcionam muito bem para o ebola, ou para a aids. Muitas vezes, se diz que são vírus criados em laboratórios e que foram disseminados de propósito para 'limpar' territórios", comentou Epelboin.
Para Gualde, "é impossível evitar estas fantasias".
"Aconteceu o mesmo com a gripe, ou com a varíola. É impossível impedir que as pessoas imaginem coisas desse tipo", comentou.