Ali, Moira Pinnell Davis perdeu o pai, Stanley Pinnell, em 8 de abril. “Estamos aguardando os resultados de três testes para Covid-19”, contou ao Correio, enquanto viajava por uma área remota do Canadá. À agência France-Presse, ela admitiu que muitas perguntas passaram por sua cabeça. “O que poderíamos feito de diferente? Por que ninguém nos contou nada? Por quê?”, lamentou. “Os holofotes ao redor do mundo estão apontando para Herron, o exemplo perfeito do que há de errado com os cuidados de saúde para idosos. (…) Me assusta, me aterroriza, porque tenho 60 anos e um dia eu posso acabar em uma dessas residências”, acrescentou. O primeiro-ministro de Quebec, François Legault, classificou o episódio de “horrível” e acusou uma “negligência grave”. Familiares dos 130 idosos que viviam no local entraram com uma ação coletiva por tratamento desumano e degradante no valor de US$ 3,6 milhões (cerca de R$ 18,8 milhões).
A tragédia em Herron parece ser um recorte de um cenário pior. “É provável que o número de mortes relacionadas à Covid-19 nessas casas seja parecido com o que temos visto em países europeus, entre 40% e 60% de todos os óbitos ligados à doença”, afirmou ao Correio Adelina Comas-Herrera, professora assistente da London School of Economics and Political Science (LSE, em Londres) e coautora de um relatório baseado em dados oficiais de asilos na Inglaterra e no País de Gales.
Em resumo, metade das mortes em decorrência do novo coronavírus na Itália, Espanha, França, Irlanda e Bélgica ocorreu dentro de asilos. “É muito difícil evitar o contágio entre os cuidadores e os idosos, quando um número elevado de pessoas habita o mesmo espaço. Também é muito complicado conseguir um isolamento efetivo de casos em asilos, pois pode haver limitações de espaço, além de os cuidadores atenderem a várias pessoas”, disse Adelina, que sublinha o fato de a idade avançada e outras comorbidades aumentarem o risco de morte, em caso de infecção. A especialista da LSE acredita que, em muitos países, o planejamento inicial para responder à pandemia ignorou a situação nos asilos.
Vulnerabilidade
A organização não governamental Care England, que representa estabelecimentos privados de cuidados a idosos, teme que mais de 7 mil das 15.464 mortes registradas no Reino Unido até as 18h de ontem ocorreram em asilos do país. “Sabemos que o alcance das infecções pode se espalhar facilmente em populações vulneráveis que vivem nos asilos. Por exemplo, o norovírus (causador de gastroenterite), sarna, gripe e o novo coronavírus. Houve uma falta de atenção em relação aos idosos”, admitiu à reportagem Michael Head, pesquisador em saúde global pela Faculdade de Medicina da Universidade de Southampton (Reino Unido). “Há evidências de que, em alguns países europeus, os moradores dessas casas de cuidados representem metade das mortes pela Covid-19.”
Em Seattle, nos Estados Unidos, a ex-jornalista e empresária Caroline Li, 37 anos, lamentava, ontem, a perda do tio, Kong Wong, em um asilo ao norte da cidade. “Ele estava lá havia menos de um ano. Teve perda de memória, câncer e doença renal. Mas sua saúde começou a declinar rapidamente depois do surto de Covid-19 no estado de Washington. Ele parou de comer e ficou confuso. Um dia, caiu, e o médico ordenou que fizessem um teste de diagnóstico para o novo coronavírus, mas ele faleceu antes disso”, relatou ao Correio. “Na noite em que ele morreu, pude vê-lo por meio do Skype. Meu tio tinha a respiração pesada e não conseguia abrir os olhos. Acho que os funcionários de asilos deveriam ser submetidos à testagem para não espalharem a Covid-19. O primeiro caso detectado em meu estado foi justamente em um asilo da cidade de Kirkland.” A família aguarda os resultados do teste.
Na semana passada, a polícia de Nova Jersey encontrou 17 corpos empilhados no lar de idosos Andover Sub-Acute and Rehabilitation Unit, também afetado pela Covid-19. O estabelecimento registrou, recentemente, 68 mortes (incluindo estas 17) e 26 de pessoas com a doença.
Eu acho...
“Os asilos são, literalmente, lares das pessoas, em vez de uma ala hospitalar. Por isso, os desafios de prevenção da infecção são diferentes. Os funcionários têm reportado uma falta real de Equipamentos de Proteção Individual. Nossas populações mais idosas merecem mais do que serem ignoradas e esquecidas.” Michael Head, pesquisador em saúde global pela Faculdade de Medicina da Universidade de Southampton (Reino Unido).