O novo coronavírus causou pânico nas autoridades haitianas e nas organizações de direitos humanos devido à extrema fraqueza do sistema de saúde, mas as consequências econômicas da pandemia podem ser ainda mais devastadoras do que as consequências para a saúde da maioria da população pobre. Com oito mortes, de acordo com balanço divulgado na quinta-feira (30/04), a COVID-19 está apenas começando no Haiti, onde o confinamento e o distanciamento social constituem um luxo inacessível para muitos dos habitantes que vivem na economia informal.
Os comerciantes de rua em Petionville, bairro localizado no alto da capital Porto Príncipe, fizeram protestos contra a tentativa do prefeito de limitar suas atividades a três dias por semana. As compras nervosas que se seguiram ao anúncio, em 19 de março, dos primeiros casos de COVID-19 no país, logo diminuíram, e hoje os clientes são muito comedidos em suas compras, considerando a queda na renda.
Os cereais constituem dois terços da fonte da alimentação diária dos haitianos mais pobres. No entanto, o preço do arroz mais do que dobrou em alguns mercados na comparação ao ano passado. A coordenação nacional de segurança alimentar destaca que a inflação acelerou desde março. O forte crescimento dos preços que acompanha a epidemia agravará ainda mais a recessão econômica do país.
"Com a crise iminente, o crescimento deverá cair 4% como consequência do colapso do setor agrícola, cuja demanda diminuiria consideravelmente", reconheceu o primeiro-ministro Joseph Jouthe durante uma cúpula sobre as finanças do país, realizada virtualmente.
Risco de fome entre haitianos
A agricultura pesa apenas 21% no PIB, mas concentra metade dos empregos, enfatiza o economista Etzer Emile. Trabalhadores rurais haitianos, proprietários de fazendas extremamente pequenas, viram sua renda cair drasticamente, exacerbando suas dificuldades em se preparar para a próxima colheita, ameaçada ainda mais em algumas regiões pela seca.
Muito antes da pandemia de COVID-19 paralisar a economia mundial, as Nações Unidas haviam calculado que 40% dos haitianos precisariam de ajuda humanitária de emergência este ano.
Essas projeções, realizadas em outubro de 2019, estabeleceram que, a partir de março de 2020, cerca de três milhões de habitantes do país estariam em situação de grave insuficiência alimentar, etapa anterior à fome na classificação utilizada pela ONU.
Somente as remessas enviadas por haitianos que vivem no exterior, totalizando mais de US$ 3 bilhões por ano, em média, impediram a população como um todo de cair em extrema pobreza. Até agora, essa quantia representava um terço do PIB.
"Os haitianos dependem de transferências de dinheiro para alimentação, educação e até funerais", diz o economista Kesner Pharel. Instalada principalmente nos Estados Unidos, a diáspora haitiana foi duramente atingida pelo enorme desemprego que afeta a principal potência do mundo.
Queda na ajuda financeira
O Ministério da Economia e Finanças do Haiti espera que essa ajuda financeira seja reduzida em um quarto nos próximos meses. "Costuma-se dizer que quando a economia americana está resfriada, o haitiano sofre de pneumonia. Os milhões de empregos perdidos nos Estados Unidos vão causar uma exacerbação da pobreza extrema aqui, sem dúvida", previu Pharel.