Maria Van Kerkhove, diretora técnica da OMS, havia dito com base em estudos realizados em vários países que a transmissão do vírus por uma pessoa assintomática parecia ser "muito rara".
"Nós temos uma série de informes de países que estão fazendo um rastreamento de contatos muito detalhado. Estão seguindo os casos assintomáticos, estão seguindo os contatos e não estão encontrando transmissões secundárias subsequentes. É muito raro", disse ela durante coletiva de imprensa na segunda-feira.
Suas declarações, que foram amplamente reproduzidas nas redes sociais, provocaram reação da comunidade científica e chegaram a ser tema de comentários de uma reunião ministerial do governo brasileiro nesta terça.
"Se a transmissão por parte de assintomáticos é praticamente zero (...), então com toda certeza isso pode sinalizar à abertura mais rápida do comércio e à extinção daquelas medidas restritivas adotadas, segundo decisão do Supremo Tribunal Federal, por governadores e prefeitos", disse o presidente Jair Bolsonaro, que desde o início da pandemia tem criticado o distanciamento social, adotado por autoridades regionais para conter o vírus.
A comunidade científica já tinha se pronunciado, contestando as declarações da especialista da OMS.
"Ao contrário do que a OMS anunciou, não é possível afirmar cientificamente que portadores assintomáticos do SARS-CoV-2 não sejam muito infecciosos", manifestou-se no Twitter o professor Gilbert Deray, do hospital Pitié-Salpetrière, em Paris.
Liam Smeeth, professor de epidemiologia clínica da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, disse ter ficado "muito surpreso".
"Há incertezas científicas, mas a infecção assintomática pode ser responsável por 30% a 50% dos casos. Os melhores estudos científicos até hoje sugerem que até metade dos casos se infectaram através de pessoas assintomáticas ou pré-sintomáticas", afirmou.
Van Kerkhove depois publicou no Twitter uma síntese da OMS sobre a transmissão.
"Estudos abrangentes sobre a transmissão de indivíduos assintomáticos são difíceis de conduzir, mas as evidências disponíveis do rastreamento de contatos por estados membros sugerem que indivíduos infectados assintomáticos são muito menos propensos a transmitirem o vírus do que aqueles que desenvolvem sintomas", destacou.
Durante uma discussão retransmitida nesta terça-feira na conta no Twitter da OMS, Van Kerkhove disse que queria esclarecer um mal-entendido.
"Eu me referia a muito poucos estudos, alguns, dois ou três" e respondia a uma pergunta. "Eu não estava declarando uma política da OMS", afirmou.
"Eu usei a frase 'muito raro' e acho que é um mal-entendido declarar que a transmissão assintomática globalmente seja muito rara. Eu me referi ao subconjunto dos estudos", acrescentou.