Em meio a protestos de ambientalistas, as autoridades de Veneza realizaram nesta sexta-feira (10) o primeiro teste completo das 78 barreiras móveis do Mose, um sistema bilionário projetado para proteger o centro da cidade contra inundações.
Essa foi a primeira vez na história em que a Lagoa de Veneza ficou fisicamente separada do Mar Adriático.
A prova contou com as presenças do premiê da Itália, Giuseppe Conte - que acionou o botão de ativação das comportas -, dos ministros Luciana Lamorgese (Interior), Paola De Micheli (Infraestrutura e Transportes) e Federico D'Incà (Relações com o Parlamento), além do governador do Vêneto, Luca Zaia, e do prefeito Luigi Brugnaro.
Esse foi o primeiro acionamento simultâneo de todas as barreiras do Mose, que ficam na Bocca di Malamocco, na Bocca di Chioggia e na Bocca di Lido (esta é dividida em duas por uma ilha artificial), os três acessos da lagoa ao Adriático.
A entrega da obra, iniciada em 2003, está prevista para dezembro de 2021, ao custo de 5,5 bilhões de euros, mas o sistema deve estar disponível para situações emergenciais ainda em 2020. "É preciso concluir o Mose, e devemos fazer com que exista um instrumento de proteção no próximo outono-inverno [a partir de setembro]", disse Conte.
A comissária responsável pela obra, Elisabetta Spitz, afirmou que, com os testes programados para os próximos meses, será possível acionar as comportas contra "marés altíssimas" já a partir do próximo outono boreal.
Protestos
Enquanto as barreiras eram ativadas, dezenas de embarcações de integrantes do movimento "No Mose" se reuniram em frente à Praça San Marco, no coração de Veneza, para protestar contra uma obra que eles definem como "inútil".
Os barcos também exibiram bandeiras contra a navegação de grandes navios pelo centro histórico da cidade e tentaram seguir até uma das entradas do Adriático, mas foram barrados pelas forças de segurança.
"Havia de tudo na água, desde motos aquáticas da polícia até navios da Guarda Costeira. Tentamos furar o bloqueio, mas não havia nada a fazer", lamentou Tommaso Cacciari, um dos líderes do protesto.
Mose
O centro da capital do Vêneto se distribui por ilhas situadas na Lagoa de Veneza, que sofre regularmente com a "acqua alta". Mais comum entre o fim do outono e o início do inverno europeu, esse fenômeno ocorre quando o Mar Adriático sobe e invade a área lagunar, inundando a parte mais famosa da cidade.
A solução encontrada para combater o problema é o sistema Mose, acrônimo de Módulo Experimental Eletromecânico e que também remete ao personagem bíblico Moisés (Mosè, em italiano). O projeto foi iniciado em 2003, mas escândalos de corrupção adiaram o fim das obras para dezembro de 2021.
O sistema se baseia em uma rede de comportas móveis instaladas nos três acessos à Lagoa de Veneza e que serão acionadas sempre que a maré superar os 110 centímetros, evitando que o centro histórico fique debaixo d'água.
Em entrevista à ANSA no fim de 2019, o engenheiro Alberto Scotti, que projetou o Mose há cerca de três décadas, garante que as barreiras são dimensionadas para resistir a inundações de até três metros. "Você não faz ideia do tanto de alternativas que estudei, de todos os tipos. Eu me convenci, de modo muito robusto, que não há outra opção", afirmou.
A maior "acqua alta" já registrada na cidade teve 1,94 metro, em 1966, mas, em novembro passado, ocorreram quatro marés superiores a 1,4 metro, algo inédito para um único mês em toda a história de Veneza. A maior delas, no dia 12, teve 1,87 metro.
Críticas
A obra é alvo de críticas pelo alto custo, pelos escândalos de corrupção e pelos atrasos na entrega. Além disso, ambientalistas questionam sua eficácia, especialmente em um contexto de mudanças climáticas.
Dados do Instituto Superior para a Proteção e a Pesquisa Ambiental (Ispra), órgão ligado ao governo da Itália, apontam que o nível médio do mar em Veneza subiu 33 centímetros entre 1872 e 2016.
Segundo Scotti, no entanto, o limite do Mose é uma elevação marítima em função do efeito estufa de 60 centímetros. A partir desse patamar, as comportas teriam de ser acionadas de forma quase ininterrupta. Desde o início das obras, em 2003, o nível médio do mar cresceu pouco mais de nove centímetros, de acordo com o Ispra. (ANSA)