A justiça europeia anulou nesta quinta-feira (16) o acordo sobre a transferência de dados pessoas entre a União Europeia (UE) e os Estados Unidos, conhecido como "Escudo de Privacidade", ao apontar riscos para sua proteção nos programas de vigilância americanos.
A esperada decisão, que considera que o pacto não protege de forma adequada esses dados, afeta as empresas que operam na UE e que guardam seus dados no outro lado do Atlântico.
O acordo possibilita "interferências nos direitos fundamentais das pessoas cujos dados são transferidos aos Estados Unidos, já que suas autoridades podem ter acesso aos mesmos sem limitar-se ao "estritamente necessário", afirmou em sua decisão o Tribunal de Justiça da UE (TJUE).
O jurista austríaco Max Schrems, um importante defensor da proteção dos dados pessoais que iniciou o caso com uma denúncia contra o Facebook, comentou a decisão: "Parece que conseguimos uma vitória de 100%".
Schrems pedia a interrupção do envio de dados entre a sede europeia do Facebook na Irlanda e sua matriz na Califórnia, uma vez que as agências de inteligência americanas, como o FBI e a NSA, podem acessá-los sem controle, como foi evidenciado pelo caso Snowden.
"Para nossa privacidade, os Estados Unidos terão que se envolver em uma séria reforma de vigilância para voltar ao status 'privilegiado' para as empresas americanas", completou Schrems, de 32 anos, que em 2015 conseguiu a anulação de um acordo similar entre Estados Unidos e UE.
Os dados pessoais como geolocalização ou comportamento dos internautas são "uma mina de ouro" da economia digital, especialmente para os gigantes americanos da Internet, como Google, Facebook e Amazon.
Para a 'Computer and Communications Industry Association' (CCIA), a decisão cria "incerteza jurídica para milhares de pequenas e grandes empresas dos dois lados do Atlântico que usam o Escudo da Privacidade em suas transferências diárias de dados comerciais".
Alexandre Roure, diretor da CCIA, afirmou esperar que Bruxelas e Washington "elaborem rapidamente uma solução duradoura, de acordo com o direito europeu, para garantir a continuidade do fluxo de dados".
"Vamos trabalhar com os colegas americanos para ver como negociar novas garantias", disse o comissário europeu de Justiça, Didier Reynders, que falou ontem com o secretário de Comércio dos Estados Unidos, Wilbur Ross.
Ross disse estar "profundamente decepcionado" com a decisão e expressou sua disposição de trabalhar com Bruxelas. Também pediu que as empresas "pudessem transferir dados sem interrupção" em plena crise do coronavírus, segundo um comunicado.
As 5.000 empresas americanas - incluindo 70% de PME - que usam o "Escudo de Privacidade" poderiam rapidamente mudar para outro mecanismo que permite a transferência de dados da UE para o resto do mundo: as "cláusulas padrão".
Essa alternativa é um modelo de contrato definido pela Comissão Europeia que qualquer empresa pode usar para exportar seus dados, por exemplo, para uma subsidiária, uma controladora ou uma terceira empresa.
O tribunal com sede em Luxemburgo validou esse outro mecanismo, mas recordou que as autoridades responsáveis pela proteção de dados na UE devem suspender os envios se as leis nos países de destino não os protegem suficientemente.
A anulação do "Escudo de Privacidade" representa um novo revés para Bruxelas, após a invalidação na quarta-feira da decisão da Comissão Europeia que exigia da empresa americana Apple a devolução de 13 bilhões de euros (14,8 bilhões de dólares) à Irlanda por vantagens fiscais indevidas.