Jornal Estado de Minas

História da escravidão é rastreada em dezenas de milhares de americanos

O tráfico de escravos entre África e América e a exploração econômica e sexual de milhões de homens e mulheres até o século XIX podem ser rastreados no DNA dos seus descendentes, segundo um grande estudo publicado nesta quinta-feira (23) e realizado a partir do histórico de perfis genéricos acumulados pela empresa 23andMe.





Mais de 50.000 pessoas em América, Europa e África participaram dessa pesquisa, que combina a análise do DNA individual com arquivos detalhados sobre os navios que transportaram os escravos. Entre 1515 e 1865, cerca de 12,5 milhões de homens, mulheres e crianças foram traficados, dos quais 70% desembarcaram na América Latina, e entre 300.000 e 500.000 na América do Norte.

Mais de dois milhões morreram durante a travessia.

"Queríamos comparar nossos resultados genéticos com a documentação dos transportes (navios) para encontrar possíveis discrepâncias, que apareceram em alguns casos de maneira bem perceptível", explica à AFP Steven Micheletti, geneticista da empresa.

Os pesquisadores notaram que, ainda que os escravos fossem em sua maioria homens, ao longo dos séculos as mulheres africanas contribuíram muito mais geneticamente para a população atual, o que observaram ao analisar os genes do cromossomo X, que as mulheres têm duplicado.





"Em algumas regiões, estimamos que 17 mulheres africanas se reproduziram para cada homem africano", diz Micheletti, que admite que a equipe nunca havia pensado que essa proporção fosse tão alta.

Isso é explicado pela política de "branqueamento racial" praticada na América Latina, que consistia em "embranquecer" a população, incentivando a reprodução entre colonos e escravos, especialmente no Brasil, último país das Américas a abolir a escravidão, em 1888.

"As políticas de branqueamento foram implementadas em vários países da América Latina, com o financiamento e a subvenção de viagens de imigrantes europeus com a intenção de diluir a ascendência africana mediante a reprodução com europeus de pele clara", escreveram os autores do estudo, publicado no American Journal of Human Genetics.

Nos Estados Unidos, ao contrário, homens e mulheres africanos se reproduziam quase na mesma proporção.

"A tendência era incentivar a procriação entre os escravos para produzir mais escravos", explica Joanna Mountain, diretora de pesquisa da 23andMe, acrescentando que o estupro das escravas por seus donos também fosse comum.





- Do Caribe à América do Norte -

O estudo também revela que os afro-americanos dos Estados Unidos estão predominantemente ligados a populações que viviam em uma região africana correspondente à atual Nigéria, enquanto que na época essas populações representavam apenas uma minoria dos escravos enviados para os Estados Unidos.

De fato, os escravos chegavam ao Caribe e eram, então, encaminhados para os Estados Unidos, uma forma de se comercializar escravos que está começando a ser revista apenas agora.

A pouca representatividade da herança genética de escravos originários de países como Senegal e Gâmbia nos Estados Unidos tem uma triste explicação: "Como os senegaleses e gambianos eram frequentemente produtores de arroz na África, eram com frequência transportados para plantações de arroz nos Estados Unidos".

Porém, essas plantações eram foco da malária e apresentavam uma alta taxa de mortalidade, o que possivelmente levou "a essa sub-representatividade", ressalta Micheletti.