Os Estados Unidos emitiram uma autorização de emergência para usar plasma sanguíneo de pacientes recuperados da COVID-19 como tratamento contra a doença.
É seguro e eficaz? O governo do presidente Donald Trump colocou as considerações políticas à frente da ciência?
Veja o que se sabe sobre este procedimento:
- O que é o plasma convalescente? -
Quando uma pessoa tem COVID-19, seu organismo produz anticorpos que combatem o novo coronavírus. Estas proteínas flutuam no plasma, o componente líquido do sangue.
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Argentina registra recorde diário de mortos por coronavírusVenezuela reabre mercado considerado o maior foco de COVID-19 no paísPeru supera 600.000 casos de coronavírusBatizada de "imunização passiva", a ideia não é nova. Já foi testada antes contra a difteria em 1892 e depois na pandemia de gripe espanhola, em 1918.
- É seguro e eficaz? -
A pesquisa sobre estas questões está em curso, mas alguns indícios são animadores.
Em junho, a Clínica Mayo, com sede em Rochester (Minnesota), analisou a segurança do plasma depois de uma transfusão em um grupo de 20.000 pacientes com COVID-19, e encontrou taxas extremamente baixas de efeitos colaterais, como insuficiência cardíaca, lesão pulmonar, reações alérgicas e morte.
"Concluímos que o uso do plasma convalescente era seguro", disse à AFP o doutor Scott Wright, que conduziu a pesquisa, publicada na Mayo Clinic Proceedings.
É importante destacar que não houve sinais de um efeito chamado "potencialização dependente de anticorpos", gerado quando os anticorpos que não são adequados para conter um vírus na verdade levam a que mais células se infectem.
Sobre a utilidade do método, todos os especialistas coincidem na necessidade de mais testes clínicos para comparar o uso do plasma com o atendimento médico padrão.
O doutor Soumya Swaminathan, cientista-chefe da Organização Mundial da Saúde (OMS), disse que alguns testes menores informaram as descobertas. "Os resultados em alguns casos apontam para algum benefício, embora não tenham sido conclusivos", relativizou.
Outro estudo da Clínica Mayo, que não foi um teste clínico e ainda não foi revisto por pares, sugeriu que o plasma ajudou a reduzir a taxa de letalidade entre os pacientes hospitalizados quando administrado de forma precoce e em um momento em que os níveis de anticorpos eram altos.
Mas não foi usado placebo, o que dificulta a interpretação das descobertas.
Participaram deste estudo 35.000 pacientes. Aqueles que receberam transfusões nos três dias seguintes a seu diagnóstico positivo para a COVID-19 tiveram taxa de mortalidade de 8,7% na semana seguinte.
Já os que receberam plasma depois de quatro ou mais dias tiveram taxa de mortalidade de 11,9%.
Enquanto isso, pesquisadores da Universidade Johns Hopkins - centro de referência para a COVID-19 nos Estados Uniods - estão realizando um teste utilizando plasma para imunizar os pacientes antes de terem a possibilidade de adoecerem.
David Sullivan, que chefia este teste, o comparou a uma "vacina imediata".
Se funcionar, "podemos dizer às pessoas que se tiverem um alto risco... Podem usá-la e não têm que se preocupar em ir para o hospital", disse à AFP.
Embora cientistas acreditem haver vantagens no uso do plasma, no longo prazo se considera melhor apelar para anticorpos mais específicos.
As vantagens são que os médicos sabem exatamente o que estão usando e podem quantificar a dose. Além disso, os medicamentos podem ser produzidos em massa.
Ao contrário, e visto que o vírus sofre mutação contínua, os anticorpos produzidos em laboratório para combater uma versão anterior do vírus poderiam não ser tão eficazes quanto o plasma recém-coletado.
- A autorização foi politizada? -
A Food and Drugs Administration (FDA), agência que regula os alimentos e os medicamentos nos Estados Unidos, emitiu anteriormente autorizações de emergência para o antiviral remdesivir, após ter sido demonstrado que tem eficácia moderada contra o novo coronavírus e também para o medicamento antimalária hidroxicloroquina, o qual posteriormente reverteu devido a preocupações com sua segurança.
Analistas políticos questionaram que a mais recente resolução da FDA ocorre em um momento em que Trump aparece em desvantagem nas pesquisas de intenção de voto para as eleições de novembro, nas quais o magnata tentará a reeleição.
De fato, ao fazer o anúncio, tanto Trump quanto o comissário da FDA, Stephen Hahn, distorceram uma estatística-chave quando disseram que o plasma reduziu as taxas de mortalidade em 35%.
A porta-voz da FDA, Emily Miller, esclareceu depois em sua conta no Twitter que a cifra se referia à redução relativa do risco de morte em pessoas que receberam níveis altos de anticorpos no estudo da Clínica Mayo em comparação com os que receberam níveis baixos.
Isto "mina a credibilidade de todo o governo e da administração dos Estados Unidos, mas especificamente destas instituições", avaliou o médico Matthew Heinz, profissional do estado do Arizona que trabalhou no Departamento de Saúde do ex-presidente democrata Barack Obama.