Pouco mais de seis meses depois de registrar o primeiro caso do novo coronavírus, o Brasil superou neste sábado (29) o limiar sombrio de 120.000 mortes pela covid-19, sem vez a luz no fim do túnel.
O país, com quase 212 milhões de habitantes, registrou 120.262 mortes e 3.846.153 casos de covid-19, informou o Ministério da Saúde em sua atualização diária.
As cifras da pandemia no Brasil só são superadas pelas dos Estados Unidos, de longe o país mais castigado pelo novo coronavírus, com mais de 182.000 mortes.
Diferentemente de Europa e Ásia, onde o vírus se manifestou com força e em seguida diminuiu, no Brasil avança a um ritmo lento e devastador, afirma Christovam Barcellos, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
"Isso é inédito no mundo. Desde o começo da pandemia o Brasil mostrou uma curva de casos e de óbitos diferente de outros países, muito lenta", declarou à AFP.
"Agora está estabilizada, em torno de 1.000 óbitos e 40.000 casos por dia. O Brasil não passou o pico", acrescentou.
- "Falta de coordenação" -
O país confirmou o primeiro caso do novo coronavírus em 26 de fevereiro, um empresário de São Paulo que voltou de uma viagem à Itália, e registrou sua primeira morte em 16 de março.
A pandemia logo se tornou uma questão política no país de 26 estados, além do distrito federal, com amplas competências em temas de saúde.
O presidente Jair Bolsonaro criticou a "histeria" sobre o vírus e atacou governadores e prefeitos que adotaram medidas de isolamento social em estados e municípios, argumentando que o dano econômico seria pior do que a própria doença.
Ele também incentivou o uso da hidroxicloroquina como solução de tratamento para a doença, apesar de uma série de estudos mostrarem que o medicamento é ineficaz contra o novo coronavírus.
Quando foi diagnosticado com o vírus em julho, Bolsonaro inclusive tomou o que chamou de um remédio da "direita".
Especialistas coincidem em que a falta de uma mensagem coerente de seus líderes foi a responsável pelo fracasso do país em "achatar a curva".
"É terrível. Há uma falta de coordenação, essa tem sido uma característica infelizmente do Brasil. O governo federal deixou aos estados toda a administração da crise", ressaltou Barcellos.
O vírus se propagou do primeiro grupo demográfico que infectou, viajantes ricos que voltavam do exterior, para os grupos mais vulneráveis e para o interior do país.
Moradores das favelas superpopulosas em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro têm sido particularmente afetados, assim como os povos indígenas da floresta amazônica, que têm um histórico de vulnerabilidade a doenças externas.
- Bolsonaro, com popularidade em alta -
Enquanto isso, neste ano a maior economia latino-americana caminha para uma recessão recorde como consequência da pandemia.
O Ministério da Economia estima que o PIB encolheu 8% a 10% no segundo trimestre de 2020, e os economistas projetam uma retração de mais de 5% para o ano todo.
Mas Bolsonaro, paradoxalmente, conseguiu manter e até aumentar sua popularidade.
O presidente, que assumiu o cargo em janeiro de 2019, recebeu o melhor índice de aprovação para seu mandato no início deste mês, alcançando os 37%, cinco pontos a mais do que em junho, segundo pesquisa Datafolha.
E o ex-capitão do exército tem um índice de aprovação de 42% entre os beneficiários do auxílio emergencial de R$ 600, pago mensalmente desde abril, como forma de amenizar a crise econômica.
A pesquisa revela ainda que 47% dos brasileiros eximem Bolsonaro de qualquer responsabilidade pelo número de mortes provocadas pela covid-19, e que apenas 11% o veem como o "principal culpado" pela crise.
Outras pesquisas recentes também revelam que o chamado "Trump dos Trópicos" tem uma popularidade crescente e grandes chances de ser reeleito em 2022.
"Bolsonaro é um fenômeno. Realmente tem uma força política própria que se precisa considerar", comentou o analista político Michael Mohallem, da Fundação Getúlio Vargas.
Ainda assim, "é muito chocante ver alguém que tem a postura que ele teve" na gestão da pandemia, acrescentou.
"Não é só negacionismo. Nem o Trump avança aquela linha da dignidade, na hora de falar de mortes ele é muito respeitoso. Bolsonaro cruzou essa linha muitas vezes (...) Acho que o Bolsonaro ainda tem de pagar um preço", afirmou.