Jornal Estado de Minas

VACINA

Vacina de Oxford: suspensão dos testes é elogiada, mas gera apreensão

A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a comunidade científica parabenizaram a AstraZeneca por interromper os testes da vacina desenvolvida na Unidade de Oxford e reiteraram que essa é uma prática comum e que não significa o fracasso da substância, uma das principais apostas para o combate à COVID-19.



Na terça-feira, a farmacêutica anunciou que a reação adversa grave de uma paciente levou à suspensão dos ensaios de fase três, até que a condição apresentada por ela seja esclarecida. Nesta quarta-feira (9/9), a OMS também afirmou que não se deve esperar uma imunização em massa até 2022, embora não tenha vinculado esse prazo à interrupção temporária dos testes da companhia britânica.

Essa é a segunda vez que a AstraZeneca suspende os testes da vacina de Oxford em humanos. A primeira foi em julho, quando um participante apresentou sintomas neurológicos. No caso, ele foi diagnosticado com esclerose múltipla, e o comitê de investigação da companhia determinou que não havia relação com a substância.

Ainda não se divulgou se a voluntária que sofreu o efeito relatado agora estava no grupo que recebeu a imunização ou no placebo, embora o site de notícias médicas Stat tenha publicado que a companhia já sabe que ela foi, de fato, vacinada com a fórmula experimental.



“Quando se faz um estudo clínico sobre um medicamento ou uma vacina, existe a vigilância dos efeitos adversos. Quando eles acontecem até 42 dias depois, todos têm de ser registrados. Pode ser relacionado à substância e pode não ter nada a ver”, esclarece Mônica Levi, diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (Sbim). “Com outras vacinas, tem gente, por exemplo, que morre atropelado. E tudo isso tem de ser reportado, é praxis”, observa.

A médica é um dos voluntários dos testes da vacina em São Paulo. Ela conta que, na segunda-feira, recebeu uma mensagem informando a suspensão temporária, mas sem maior detalhamento. Na terça, ela tomaria a segunda dose. Mônica Levi diz que sentiu dor de cabeça, calafrios e moleza na primeira imunização, o que considera sintomas leves. “Se me chamarem para retomar amanhã, eu vou. Não tenho problema nenhum. A empresa está de parabéns pelas normas de segurança, toda semana nos perguntam sobre efeitos e fará isso por um ano”, conta.

Segundo o jornal The New York Times, o efeito adverso, reportado por uma voluntária britânica, foi mielite transversa aguda, uma inflamação na medula espinhal que pode ser desencadeada por doenças autoimunes, como lúpus, ou por determinadas medicações. A AstraZeneca não confirmou a informação da reportagem, que também afirmou que a paciente sofreu de uma crise aguda (quando é passageira), controlada por corticoides.



O site de notícias médicas Stat informou que o CEO da companhia, Pascal Soriot, disse a investidores que a mulher estava com sintomas de mielite, mas que deveria ter alta em breve. O laboratório não comentou as informações. Em nota divulgada ontem, reforçou que “em grandes ensaios clínicos, as doenças acontecem por acaso e devem ser revistas de forma independente”.

Mesmo que se a condição esteja associada à vacina, a diretora da Sbim não vê motivos para que os testes sejam considerados fracassados. “Seria um caso em milhões de doses, um risco muito pequeno. Todos os dias, milhares de pessoas morrem de COVID.”

Em nota divulgada nesta quarta-feira, a AstraZeneca afirmou que pretende retomar o quanto possível os testes. “Na AstraZeneca, colocamos a ciência, a segurança e os interesses da sociedade no centro do nosso trabalho. Essa pausa temporária é a prova viva de que seguimos esses princípios, enquanto um único evento em um de nossos locais de teste é avaliado por um comitê de especialistas independentes. Seremos orientados por esse comitê sobre quando os testes poderão reiniciar para que possamos continuar nosso trabalho na primeira oportunidade de fornecer essa vacina de forma ampla, equitativa e sem lucro durante esta pandemia”, afirmou Pascal Soriot. A farmacêutica não confirmou uma informação do jornal inglês Financial Times de que os estudos seriam retomados na próxima semana.





Calendários abertos

Para o diretor científico da Sociedade de Infectologia do DF, José David Urbaéz, a suspensão temporária não deve atrasar a vacina, esperada para o início de 2021. “Habitualmente, em ensaio de vacina, existe esse tipo de intercorrência. Não é nada demais. Por isso foram inventadas a fase três e a fase quatro, depois da comercialização. A suspensão atrasaria a produção da vacina se estivéssemos trabalhando na hipótese de que a vacina está pronta. Quando se faz um calendário, sempre se coloca a possibilidade de que a fase três não seja tudo o que se está esperando. Isso sempre é esperado. Calendários de produtos em desenvolvimento são sempre sempre abertos a essas indas e vindas, pois um produto novo tem de ser estudado com muita responsabilidade”, diz Urbaéz.

Independentemente de quando a vacina de Oxford estará disponível, a OMS não espera que a imunização em massa seja uma realidade antes de 2022. “Muitos pensam que, no início do ano que vem, chegará uma panaceia que resolverá tudo, mas não será assim. Há um longo processo de avaliação, licenciamento, fabricação e distribuição”, disse a porta-voz da organização Soumya Swaminathan, em um encontro virtual com usuários de redes sociais. De acordo com ela, grupos prioritários poderão ser vacinados até meados do ano que vem, mas o restante da população mundial, estimada em 7 bilhões, terá de esperar mais.

A diretora da Sbim, Mônica Levi, afirma que a vacinação do grupo prioritário — idosos e doentes crônicos — não cria a chamada imunidade de rebanho, quando o percentual de imunizados é grande o suficiente para proteger os não vacinados. Com isso, não se deve esperar um controle da pandemia tão cedo. “A vacinação dos grupos prioritários propiciará um melhor atendimento nos sistemas de saúde, abrindo mais vagas nos hospitais e nas UTIs, pois vai tirar os que mais ocupam. Mas o controle da doença só acontece vacinando um grande percentual da população”, diz.





Com a expectativa de jovens adultos ficarem de fora das primeiras campanhas de imunização, a médica afirma que os riscos de contaminação continuarão altos, pois se trata de uma faixa etária economicamente produtiva, que circula amplamente. “Ir à escola ou à faculdade continuará sendo de alto risco. O ambiente corporativo também. É uma questão de produção de doses e de logística. Não se tem nem espaço físico para armazenar tanta vacina”, observa Mônica Levi.

Nova vacina será testada no Brasil neste ano

(foto: AFP)

Até o fim do ano, ao menos 3 mil brasileiros participarão das pesquisas de uma nova vacina contra a covid-19. A substância foi desenvolvida pela Covaxx, subsidiária da United Biomedical, e já vem sendo testada com 60 voluntários em Taiwan. No Brasil, ocorrerão os estudos simultâneos de fase dois e três, com início previsto ainda em 2020.

Os testes serão financiados pela companhia de medicina diagnóstica Dasa e pela distribuidora de insumos Mafra, que doaram R$ 15 milhões para a realização dos estudos no país. Outros três patrocinadores — MRV, Localiza e Banco Inter — colaboraram com os R$ 15 milhões restantes. De acordo com Gustavo Campana, diretor médico da Dasa, a ideia é realizar as pesquisas em diversos centros médicos públicos e privados. As cidades ainda não foram escolhidas, e o critério será a prevalência de casos de COVID-19.





Diferentemente das vacinas genéticas, que usam partes do RNA viral, a da Covaxx é à base de multiepítopos criados em laboratório, que induzem uma resposta tanto dos anticorpos quanto das células T, destruidoras das estruturas infectadas. Epítopos são a menor parte dos antígenos (substâncias presentes no patógeno), que desencadeiam a resposta imunológica no organismo. No caso da nova imunizante, ela é composta por peptídeos sintéticos que imitam dois epítopos do Sars-CoV-2. Quando inoculada, o corpo reage, como se estivesse em contato com o vírus invasor, e produz as substâncias que lutarão contra ele.

“Resposta robusta”

Os testes pré-clínicos, em animais, mostraram a ativação tanto das células T quanto de anticorpos neutralizantes, aqueles capazes de inutilizar o vírus. Segundo o cofundador da Covaxx, Peter Diamands, esses estudos indicaram uma resposta imune robusta. “Quatrocentas vezes mais títulos (anticorpos diluídos no soro) que os verificados no plasma convalescente (de pacientes que tiveram a doença)”, contou, em uma coletiva de imprensa.

Atualmente, a vacina está em avaliação de fase 1 em Taiwan. Essa etapa consiste na investigação da segurança, embora também forneça indicadores de eficácia. A expectativa é de que os resultados saiam em novembro. Se forem positivos, começam os testes de fase dois e três no Brasil.





A cofundadora da Covaxx, Mei Mei Hu, afirmou que essa plataforma, baseada em peptídeos multiepítopos sintéticos, já foi testada em humanos, com segurança, em quatro estudos clínicos voltados a pacientes de Alzheimer e Parkinson. Segundo ela, a taxa de resposta foi de mais de 98%, com tolerabilidade e baixa toxicidade. Nesses casos, a tecnologia é a mesma, mas a composição visa um outro agente, para o qual se quer estimular a formação de anticorpos.

Diamands destacou que a plataforma da vacina permite a manufatura de bilhões de doses — a United Biomedical produz anualmente 5 bilhões de unidades de uma substância de uso veterinário que usa essa tecnologia. De acordo com ele, caso o imunizante, batizado de UB-612, seja bem-sucedido, a companhia garante a produção de 100 milhões de doses nos quatro primeiros meses de 2021, e 500 milhões até o fim do ano que vem.

A companhia também destinará 10 milhões de unidades ao mercado privado brasileiro, depois da regulamentação na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e 50 milhões para o Sistema Único de Saúde (SUS).

A UB-612 será a terceira vacina testada no Brasil. Atualmente, o país realiza ensaios clínicos da substância chinesa (Sinovac) e da inglesa (Universidade de Oxford/AstraZeneca), essa última suspensa temporariamente até que sejam esclarecidas questões sobre um possível efeito colateral sofrido por um participante inglês.