Um tribunal da Índia ordenou que seja oferecida proteção policial à família de uma jovem vítima de estupro coletivo e assassinada por quatro homens de casta "superior", depois que seu irmão disse temer represálias.
A jovem, de 19 anos, foi violentada em meados de setembro e morreu esta semana. Este novo episódio gerou indignação e reacendeu o debate sobre a violência sexual na Índia, especialmente sobre os ataques a mulheres de castas "inferiores".
Com seu povoado natal, no estado de Uttar Pradesh, no norte do país, isolado por centenas de policiais, o irmão da vítima disse na quinta-feira, a uma emissora de televisão indiana, que a família tem medo.
"Não estamos seguros neste povoado. Eles podem fazer qualquer coisa. Não confiamos na polícia, nem no governo. Nossos temores aumentaram", denunciou.
"Estamos no radar deles mais do que nunca. Não vão nos deixar viver. Podemos ter que deixar a cidade. Não confiamos nos políticos", acrescentou.
Ontem, o tribunal superior desse estado ordenou que as autoridades "garantam que ninguém exerça qualquer tipo de coerção, influência, ou pressão, sobre os familiares da falecida, de modo algum".
O tribunal criticou duramente a polícia por cremar a jovem no meio da noite - contra a vontade da família e a tradição religiosa local -, depois que seu corpo foi transferido do hospital de Nova Délhi.
Ela faleceu nesse estabelecimento na última terça-feira, devido à gravidade dos ferimentos sofridos no ataque.
"A vítima falecida foi tratada com extrema brutalidade pelos autores do crime, e o que se alega ter acontecido depois, se for verdade, equivale a perpetuar a miséria da família e adicionar sal às suas feridas", disseram os juízes.
Os magistrados marcaram uma audiência para 12 de outubro e convocaram a polícia e a família da vítima.
- Polícia nega estupro -
A cremação noturna alimentou ainda mais as alegações de que a polícia local está protegendo os suspeitos culpados - presos sob a acusação de estupro coletivo e de assassinato - e suas famílias de casta "superior" bem relacionadas.
Em um comunicado divulgado na quinta-feira, a polícia local disse que um relatório forense determinou que "nenhum estupro foi cometido".
O relatório - que, segundo a polícia, confirma os resultados de outras investigações anteriores - "expôs a conspiração daqueles que tentaram empurrar o Estado para um confronto entre as castas", disse o policial Prashant Kumar.
Essas alegações contradizem, no entanto, as declarações da vítima e de sua mãe, e também as conclusões do hospital de Nova Délhi, quando a jovem foi internada, relata a imprensa local.
Especialistas questionam as provas periciais citadas pela polícia por terem ocorrido muito tempo após o ataque (oito dias).
A advogada e ativista Mishika Singh disse à AFP que as descobertas "não foram, de forma alguma, evidências conclusivas para dizer que nenhum estupro foi cometido".
"Ignorar a declaração da vítima quando ela estava morrendo, com base em um relatório forense inconclusivo, demonstra a investigação obscura que a polícia está conduzindo", denunciou Singh.
A morte da jovem ocorreu meses depois de quatro homens serem enforcados pelo estupro coletivo e pelo assassinato de uma estudante, em um ônibus, em 2012, em Nova Délhi. O caso se tornou um símbolo do drama da violência sexual na Índia.
Este último incidente - e mais um estupro coletivo e assassinato nesta semana, na mesma área - gerou dias de protestos e marchas à luz de velas, bem como a condenação por parte de estrelas de Bollywood, de ativistas e de políticos.
Em 2019, uma média de 87 estupros foi registrada na Índia todos os dias, de acordo com dados divulgados na terça-feira pelo Escritório Nacional de Registros Criminais, embora se acredite que um grande número não tenha sido denunciado.