Em plena pandemia de covid-19, o Nobel de Medicina de 2020 foi atribuído nesta segunda-feira (5) aos americanos Harvey Alter e Charles Rice e ao britânico Michael Houghton pela descoberta do vírus responsável pela hepatite C.
Os três virologistas foram escolhidos por "sua contribuição decisiva para a luta contra este tipo de hepatite, um grande problema de saúde mundial que provoca cirrose e câncer de fígado", explicou o júri do Comitê Nobel, em um momento de corrida mundial para descobrir os segredos de outra pandemia viral, a de covid-19.
"Espero que este prêmio, junto com a terrível epidemia de covid, destaque a importância da virologia para a humanidade", disse Houghton. "Isso pode afetar muitos de nós", disse o vencedor de 69 anos em uma entrevista pela plataforma Zoom.
No fim dos anos 1970, Alter, que tem 85 anos, identificou que, durante as transfusões, acontecia um contágio hepático misterioso, que não estava ligado nem à hepatite A nem à hepatite B, recordou o júri.
Anos mais tarde, em 1989, Houghton e sua equipe foram reconhecidos pela descoberta da sequência genética do vírus.
Charles Rice, de 68 anos, "apresentou a prova final de que o vírus da hepatite C poderia provocar, sozinho, a doença", explicou Patrick Ernfors, presidente do comitê que escolhe os vencedores.
Rice também analisou durante anos a maneira como o vírus se replicava, pesquisas que levaram ao surgimento de um novo tratamento revolucionário no início dos anos 2010, o sofosbuvir.
"Seu trabalho é uma conquista histórica em nossa luta contínua contra as infecções virais", afirmou Gunilla Karlsson Hedestam, integrante da Assembleia Nobel que decide os vencedores.
"A primeira coisa a fazer é identificar o vírus envolvido e, uma vez feito, este é o ponto de partida para o desenvolvimento de tratamentos para a doença, assim como vacinas. A descoberta viral é um momento crítico", destacou Ernfors.
Rice disse estar "otimista" quanto ao futuro da luta contra o vírus e a covid-19. "Acho que isso nos ensinou muito sobre a ciência em geral: quando há um problema urgente e as pessoas ao redor do mundo se mobilizam para trabalhar nesses problemas, um grande progresso pode ser feito", embora "não seja possível" esperar "um tratamento ou uma vacina em uma semana", afirmou.
- 400 mil mortes por ano -
A Organização Mundial da Saúde (OMS) calcula em quase 70 milhões o número de infecções por hepatite C, que provoca 400.000 mortes por ano, mesmo com o desenvolvimento nos últimos anos de tratamento eficazes, porém muito caros.
"É o melhor despertador que já tive", declarou Harvey Alter, que foi acordado às 4h30 pela Fundação Nobel. Ele disse que atendeu apenas na terceira ligação.
"É algo que você pensa que nunca vai acontecer... e finalmente acontece", declarou Alter, que aos 85 anos é um dos premiados mais longevos do Nobel de Medicina. O recorde é de 87 anos.
O prêmio é o primeiro diretamente relacionado a um vírus desde 2008. Em 1976, o Nobel foi concedido para as pesquisas sobre a hepatite B.
Com este 111º Nobel de Medicina já são 222 os laureados com o prêmio de "Fisiologia ou de Medicina" desde sua criação, um grupo que inclui apenas 12 mulheres.
Desde a descoberta há mais de meio século de dois tipos de linfócitos, B e T, essenciais para a compreensão do sistema imunológico, até o avanço das "tesouras moleculares" na genética dos anos 2010, passando por pesquisas sobre câncer de mama, várias grandes inovações médicas - e seus autores - haviam sido citados por especialistas como potenciais premiados com o Nobel este ano.
Outros cientistas foram mencionados por seus trabalhos sobre a hepatite C: o alemão Ralf Bartenschlager, pela pesquisa fundamental; e o americano Michael Sofia, pelo desenvolvimento do sofosbuvir, que o laboratório Gilead vende atualmente a preço de ouro com o nome Sovaldi.
- Primeira vez desde 1944 -
No ano passado, o Nobel de Medicina foi concedido aos americanos Willial Kaelin e Gregg Semenza, assim como ao britânico Peter Ratcliffe, por seus trabalhos sobre a adaptação das células aos níveis variáveis de oxigênio no corpo, abrindo perspectivas no tratamento do câncer e da anemia.
Os vencedores do Prêmio Nobel de 2020 serão anunciados esta semana, como estava previsto. Já a cerimônia presencial de entrega dos prêmios, em 10 de dezembro em Estocolmo, foi cancelada, devido à pandemia do novo coronavírus. Isso não acontecia desde 1944.
Os laureados, que compartilham quase um milhão de euros (US$ 1,17 milhão), receberão os prêmios em seus países de residência.
Na terça-feira, será anunciado o Nobel de Física; na quarta-feira, o de Química; e, no dia seguinte, o prêmio de Literatura.
O Nobel da Paz será revelado na sexta-feira, em Oslo. E o prêmio de Economia, criado em 1968, encerrará a temporada na próxima segunda-feira.