Jornal Estado de Minas

Da alta na tarifa do metrô ao plebiscito constitucional, um ano de protestos no Chile

"Não são 30 pesos, são 30 anos", a frase dos protagonistas dos protestos no Chile sintetiza o descontentamento que há um ano desencadeou a maior efervescência social desde que o país voltou à democracia em 1990.

Isso deu início a um processo que trouxe esperança para alguns, embora outros considerem que colocou o Chile à beira de um precipício.





Quando os chilenos se preparavam para sediar duas importantes reuniões internacionais (a cúpula econômica da APEC, que pertence ao Fórum de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico, e a COP-25, sobre mudança climática), o presidente Sebastián Piñera anunciava o Chile como um "oásis" de estabilidade na América Latina, mas começaram as manifestações.

O gatilho foi uma série de ocupações de alunos do ensino médio ao metrô de Santiago, algumas delas massivas e violentas.

"Fugir, não pagar, outra forma de lutar", afirmavam os estudantes nas catracas, reclamando o aumento de 30 pesos (0,03 centavos) no valor da passagem.

Um ano depois, após um adiamento em abril por conta da pandemia, os chilenos votarão no dia 25 de outubro em um plebiscito que definirá se a Constituição herdada da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990) será ou não alterada.

O referendo foi aprovado por acordo entre as forças políticas após um dos dias mais violentos desde o início dos protestos.





Naquela sexta-feira, 18 de outubro, outros manifestantes se juntaram aos alunos. E à noite, vários pontos de Santiago estavam em chamas depois que uma dúzia de estações de metrô, prédios e ônibus foram atacados.

Além disso, foram feitas barricadas em várias partes da cidade e houve ataques ao comércio e roubos.

"Essa vontade de destruir tudo não é protesto, é crime", declarou Piñera, que durante os ataques às estações foi flagrado comendo pizza com os netos em um restaurante, imagem que se tornou viral nas redes sociais e provocou indignação.

O episódio terminou com tanques militares protegendo o palácio do governo depois que o "estado de emergência" foi decretado.

No dia seguinte, Santiago acordou irreconhecível, com semáforos no chão, restos de ônibus queimados, lojas saqueadas e milhares de pedras e pedaços de madeira nas ruas.

"Tudo o que está acontecendo é muito triste, mas as pessoas estão indignadas porque não as escutam", disse naquele dia Antonia, de 26 anos, à AFP, no coração da capital chilena.





Os panelaços que começaram a ser ouvidos simultaneamente aos protestos que eclodiram, principalmente nos bairros de classe média, tornaram perceptível que a raiva escondia uma reivindicação mais profunda.

O país tinha uma acentuada segregação social, apesar de ter a maior renda per capita da América Latina (mais de US$ 20.000 por ano).

A manifestação dos estudantes também trouxe à tona uma inquietação acumulada contra um modelo de grandes monopólios pelos quais os cidadãos se sentiam vítimas: empresas de distribuição e comercialização de serviços básicos como água, luz e gás, além de administradores de educação, saúde e previdência, durante 30 anos de democracia.

Na época, #Chiledesperto - que teria como equivalente "#Chileacordou" - tornou-se uma grande tendência nas redes sociais, e ainda continua sendo a marca dos protestos, apoiados por mais de 65% da população, segundo uma série de pesquisas.