Jornal Estado de Minas

RELAÇÕES EXTERNAS

Eleições nos EUA: O que muda no Brasil com vitória de Trump ou Biden?

No curto prazo, vença Joe Biden ou Donald Trump, as relações comerciais entre Brasil e Estados Unidos não devem se alterar. Mas a vitória do democrata ou do republicano terá implicações sobre o aprofundamento das relações comerciais bilaterais entre os países, sobre a política externa brasileira e o posicionamento político ideológico de Jair Bolsonaro no âmbito internacional, avaliam especialistas em política externa. 





Sobre uma plataforma de política externa calcada no alinhamento incondicional com o presidente Donald Trump, o governo de Jair Bolsonaro tende a colher um revés principalmente político e de isolamento internacional caso o democrata Joe Biden vença as eleições estadunidenses. A se concretizar a vitória democrata, o presidente brasileiro perderá o respaldo do principal e mais poderoso aliado para as narrativas negacionistas, antiambientalistas e para as teses que se tornaram corriqueiras de desqualificação da proteção aos direitos de minorias e de grupos sociais discriminados, como indígenas, mulheres, negros e LGBTQI%2b. 

Além disso, em que pese no curto prazo a agenda econômica entre os dois países não deva ser afetada; em sentido oposto à Trump, no médio prazo, um eventual governo Biden tenderá a pressionar o Brasil por ações concretas em defesa do meio ambiente e dos direitos humanos, a estas condicionando a pauta de avanços nas relações comerciais entre os dois países.

Em tal pauta de avanço, se inclui por exemplo, o protocolo sobre Regras Comerciais e de Transparência assinado nesta segunda-feira entre Brasil e os EUA, que se pretende um novo capítulo na relação econômica dos dois países, que tenta reverter os baixos resultados do comércio bilateral entre os dois países.





Preocupações ambientais

“Toda a construção feita pelo Bolsonaro de maior aproximação com os Estados Unidos poderá não avançar na área comercial em função das questões ambientais e de direitos humanos”, sustenta Leonardo César Souza Ramos, professor do Departamento de Relações Internacionais da PUC Minas e pesquisador vinculado ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos.



“O que está acontecendo com a floresta Amazônica, os indígenas, o combate à COVID-19, os direitos de afirmação sexual, a posição de mulheres e de negros, toda essa agenda tem o respaldo de setores que apoiam a eleição do Biden, que provavelmente irão pressioná-lo para que adote postura mais assertiva em relação ao Brasil nesses temas”, considera o professor. 

Opinião semelhante tem o cientista político Guilherme Casarões, professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (EAESP-FGV), para quem Bolsonaro milita em direção oposta a esses temas, que são centrais para os democratas.





Fundo da Amazônia

“Na questão ambiental, por exemplo, o governo Bolsonaro antagonizou a França, se distanciou da Alemanha, até esnobando o Fundo da Amazônia. Um governo Biden tende a ser mais alinhado com certos países centrais da Europa, que já vêm fazendo essa cobrança do Brasil. É muito provável que aumente muito a pressão em relação a essas questões, que o governo brasileiro politizou tanto”, sustenta Casarões. 

A eventual reeleição de Donald Trump, em contrapartida, significará uma vitória da narrativa “antiglobalista” e da própria imagem pública do presidente brasileiro, construída à semelhança de Trump. “A ideia do presidente conservador, antissistema, que luta contra tudo e todos, nada mais é do que uma emulação daquilo que Trump já vinha fazendo nos Estados Unidos desde 2016. Então me parece claro que a vitória de Trump seria positiva para o Bolsonaro”, observa Guilherme Casarões. A hipótese da vitória republicana também daria fôlego à atual plataforma de política externa brasileira - quase que inteiramente calcada na umbilical relação com o Trump.

“Os quatro pilares da política externa brasileira se reforçam com a eventual vitória republicana. São eles: o abandono das aspirações regionais na América Latina; o antagonismo à China; a aproximação com Israel; e o avanço de uma pauta conservadora nas Nações Unidas e em outros fóruns internacionais”, observa Guilherme Casarões.





Sobretaxas para produtos brasileiros

Dentro de uma estratégia do governo Bolsonaro de afastamento da China, o Brasil tem feito uma série de concessões aos Estados Unidos sem receber nenhum ganho: aumentou a importação de trigo e de etanol; aceitou a restrição à importação da chapa de aço brasileira; se calou diante da nova sobretaxação do alumínio brasileiro; apoiou a eleição para a presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) de um presidente norte-americano; não conseguiu ingressar na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE); nem ser convidado para participar de encontro do G7, enumera o professor Leonardo Souza.

“Essa política é parte da percepção do presidente e de alguns de seus associados de que a relação com a China deva ser abandonada, ao mesmo tempo em que deva haver uma volta à relação com os Estados Unidos. Volta em termos, porque uma relação assim com os Estados Unidos nunca aconteceu na história do Brasil”, afirma Leonardo César Souza Ramos. 

Sob a perspectiva do comércio bilateral, a proximidade política de Jair Bolsonaro e Donald Trump tampouco se reverteu em números. Estudo da Câmara Americana de 
Comércio no Brasil (Amcham Brasil) demonstra que entre janeiro e setembro deste ano, o valor das negociações chegou a US$ 33,4 bilhões, queda de 25,1% em relação ao mesmo período do ano passado, marcando o pior resultado dos últimos onze anos.





Relações com a China

A China é atualmente o maior parceiro comercial do Brasil, com 28,8% do total dos negócios, seguida pelos Estados Unidos, com 12,3%. “O governo Bolsonaro se articulou para se projetar internacionalmente com essa aliança incondicional com os Estados Unidos de Donald Trump. Até agora o Brasil fez muitas concessões e não conseguiu nada em retorno, é verdade. Mas se Trump não se reeleger, Bolsonaro que regionalmente já está esvaziado de aliados – perdeu a Argentina e agora a Bolívia –onde ficará Bolsonaro em termos discursivos e de projeção de imagem,?” indaga Leonardo Souza. 

Ter um presidente brasileiro apoiando explicitamente candidatos às eleições presidenciais de outros países não é prática costumeira na história brasileira. “Estamos diante de uma situação que é inédita: um presidente se posiciona e vocaliza em favor de um candidato numa eleição estrangeira. Bolsonaro vem fazendo isso há algum tempo”, aponta Guilherme Casarões, referindo-se às eleições presidenciais argentinas e mais recentemente à eleição boliviana.

A aposta não deu certo nas eleições presidenciais com o principal parceiro na América Latina: Maurício Macri foi derrotado e Alberto Fernández ascendeu em 2019. Na Bolívia, a recente vitória de Luis Arce, candidato de Evo Morales do MAS, representa outra derrota à diplomacia ideológica brasileira comandada por Ernesto Araújo.

Se o país já caminha para o isolamento na América Latina, poderá colher um novo revés político, face à uma eventual vitória do democrata Joe Biden nos Estados Unidos: ficará a pregar o antiglobalismo no cenário internacional para a própria sombra.

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