O presidente americano, Donald Trump, levou o Partido Republicano a sacudir os alicerces de seu pensamento econômico com uma abrangência poucas vezes vista. Seja no tema do livre comércio, da imigração ou da ortodoxia fiscal, ele mudou a identidade do "Grand Old Party".
O presidente "afastou o Partido Republicano de seus princípios econômicos, tais como o apoio ao livre comércio, os limites ao gasto público e uma intervenção escassa do governo na economia", resumiu Eswar Prasad, economista e professor da Universidade de Cornell.
Há quase quatro anos, Trump preferiu o protecionismo ao livre comércio, impondo tarifas alfandegárias punitivas a milhares de produtos chineses e europeus.
E o equilíbrio fiscal? Ficou para 2035 no lugar de 2030, inclusive antes dos megapacotes de ajuda econômica, decididos para mitigar os efeitos da pandemia do novo coronavírus.
A dívida? No começo de 2019, disse que não era uma preocupação porque tinha que fortalecer as Forças Armadas, e justificou desta forma o vertiginoso aumento do passivo.
No entanto, em janeiro de 2013, o próprio Trump criticava seu partido no Twitter: "Não posso acreditar que os republicanos aumentem o teto do endividamento. Sou republicano e me incomoda muito".
Pouco antes, em 2012, criticou Barack Obama pelo déficit nas contas públicas. "Os déficits de @barackobama são os mais altos da história dos Estados Unidos. Por que leva nosso país para a falência?", escreveu na mesma rede social.
É algo "nunca visto no passado recente", disse Prasad. O Partido Republicano (GOP) parece ter "abandonado alguns de seus princípios econômicos fundamentais em benefício da promoção de seu programa social e o corte de impostos, a desregulamentação e uma inclinação do sistema judicial para a direita", explicou.
Seja qual for o resultado das eleições de terça-feira, Trump terá mudado por muito tempo "a substância e o tom do Partido Republicano", concluiu.
- "Poucas ideias" -
"O Partido Republicano nunca mais será o que era antes" da Presidência de Trump, destacou Edward Alden, especialista do Council on Foreign Affairs.
O presidente tem "uma ideologia particularmente confusa", disse.
Para Geoffrey Gertz, especialista da Brookings Institution, o ataque ao livre comércio foi "provavelmente a ruptura mais clara de Trump com a política econômica" republicana, embora não tenha tido o efeito esperado, já que o déficit comercial cresceu 22,8% entre 2016 e 2019.
Houve, ainda, incontáveis comentários e tomadas de posição que não se traduziram necessariamente em políticas, acrescentou.
Ao se apresentar como opositor ao liberalismo extremo nas finanças, colocou-se como o defensor dos afetados pela crise de 2008.
Na terça-feira passada durante um ato de campanha em Wisconsin, Trump voltou a usar o mesmo recurso, tentando se descolar das elites políticas.
"Se não soo como um político clássico de Washington é porque não sou um político", disse a seus partidários. "Se não sigo as regras do 'establishment' de Washington é porque fui eleito para lutar por vocês!", exclamou.
Mas por trás destas mensagens populistas, "o Partido Republicano está escasso de ideias", disse Alden, ao destacar que o presidente não apresentou um programa econômico para a eleição de 2020, enquanto seu adversário, o ex-vice-presidente democrata Joe Biden, dispõe de um plano detalhado.
Poderiam passar décadas até que o GOP (Grand Old Party) reformule um "pensamento econômico coerente", segundo Alden.
"É preferível para a democracia americana contar com dois partidos concorrentes com ideias econômicas bem distintas", concluiu.
Acompanhe a apuração nos EUA
Infográfico interativo da AFP acompanha em tempo real a apuração. Votos nos centros eleitorais são contados automaticamente e, na maioria dos casos, os resultados são anunciados horas ou até minutos, após o fechamento das urnas. Mas os votos por correio, que cresceram muito acima a média este ano, implicam um processo trabalhoso, no qual cada estado tem regras próprias.