Todas as atenções deverão estar voltadas, amanhã, para a Flórida e a Pensilvânia, que somam 49 dos 270 votos do Colégio Eleitoral necessários para a vitória nas eleições presidenciais mais importantes das últimas décadas. Não à toa os dois candidatos à Casa Branca colocaram ambos estados-chave na rota de uma frenética agenda de campanha, especialmente para o presidente Donald Trump. As pesquisas divulgadas ontem apontam uma relativa tranquila vitória de Biden na Pensilvânia: 51% a 44%, segundo sondagem do The Washington Post/ABC News, e 49% a 43% (The New York Times/Siena).
Na Flórida, o cenário é incerto – enquanto a primeira sondagem indica vitória a Trump, com 50% a 49%; a segunda indica que Biden conquistará os 29 delegados, com 47% a 44%. Na tentativa de reverter a desvantagem, o republicano fez cinco comícios, ontem, em cinco estados (Michigan, Iowa, Carolina do Norte, Geórgia e Flórida). O ritmo de blitz será mantido hoje, com cinco eventos em quatro estados – Carolina do Norte, Pensilvânia, Wisconsin e Michigan. Trump espera convencer os indecisos e os independentes.
"Um voto para mim e o Partido Republicano é um voto para o sonho americano"
Donald Trump,
presidente dos Estados Unidos, durante comício em Michigan
Por sua vez, o democrata Joe Biden priorizou a Pensilvânia, ontem, e hoje termina a campanha na Flórida. Mais de 93,5 milhões de eleitores já depositaram o seu voto, antes das eleições de amanhã – o equivalente a 67,7% de todos os votantes em 2016. As mulheres e os afromericanos deverão ter papel importante em um processo eleitoral fortemente polarizado.
Professor de ciência política da Universidade de Michigan, Vincent L. Hutchings admitiu ao Estado de Minas que a Flórida poderá decretar o vencedor do pleito. “Trump não pode ganhar sem a Flórida. Mas, Biden não precisará tê-lo para vencer”, comentou, ao analisar a vantagem democrata nos estados-chave, segundo as pesquisas. “As mulheres e os negros americanos são constituintes fundamentais nos EUA; portanto, certamente contribuirão para o resultado.”
O especialista entende que a agenda movimentada de Trump “provavelmente reflete suas preocupações em gerar apoio em Michigan, Iowa, Carolina do Norte, Geórgia e Flórida, estados onde venceu em 2016”. “À exceção de Michigan, Biden não precisa vencer em nenhum dos estados visitados hoje (ontem) pelo republicano”, comentou. Hutchings não acredita que caberá aos tribunais decidirem as eleições de amanhã. “Todas as pesquisas pré-eleitorais sugerem que Biden terá uma vantagem confortável.”
“Minha resposta é que
o presidente não roubará
esta eleição"
Joe Biden, candidato democrata, ao ser confrontado
sobre denúncias de que Trump deseja declarar vitória
antes da apuração final dos votos
Tensão
Ontem, uma denúncia feita site Axios lançou mais tensão. Fontes próximas a Trump disseram que ele pretende declarar vitória imediatamente, mesmo sem esperar a apuração dos votos pelos correios. “Minha resposta é que o presidente não roubará esta eleição”, reagiu Biden. Trump desmentiu, mas acenou que os republicanos podem apresentar contestações na Justiça, para impedir que as cédulas enviadas por correspondência sejam contabilizadas depois de amanhã.
“Acho uma coisa terrível quando as cédulas podem ser coletadas depois de uma eleição. Quando pessoas ou estados têm permissão de apurar votos por um longo período após o fim da eleição, pois isso só pode levar a uma coisa. Há um grande perigo nisso, acho que muitas fraudes podem ocorrer”, afirmou Trump a repórteres, em Charlotte (Carolina do Norte).
Também ontem, a Suprema Corte do Texas bloqueou uma petição do Partido Republicano para que 127 mil votos do estado fossem descartados. A petição alegava que 10 postos de coleta de votos em estilo drive-thru operam ilegalmente.
O magnata republicano elogiou os simpatizantes que cercaram um ônibus da campanha de Biden, em uma rodovia que liga Austin a San Antonio (Texas). “Vocês sabem, eles apenas protegiam o ônibus por serem legais. Eles tinham centenas de carros”, declarou o presidente. O incidente é investigado pelo FBI, a polícia federal norte-americana. Durante comício em Michigan, Trump atacou o rival, em uma clara estratégia de mobilizar apoio do eleitorado negro. “Por 47 anos, Biden atacou viciosamente os afroamericanos, destruiu os seus empregos e lotou as cidades com gangues”, disse. “Um voto para mim e o Partido Republicano é um voto para o sonho americano.”
Em meio à pandemia da COVID-19, que matou 230 mil americanos e infectou 9,1 milhões, Trump projetou um boom da economia em um eventual segundo mandato. “Sob minha liderança, nossa economia está crescendo na mais alta taxa já registrada — 33,1%! (…) Enquanto nações estrangeiras estão em queda livre, nós estamos criando a maior força econômica do mundo!”, declarou o presidente.
Edward C. Prescott, professor da Universidade Nacional Australiana e laureado com o Nobel de Economia em 2004, afirmou ao Estado de Minas que, antes da pandemia, Trump tinha conseguido recuperar a economia norte-americana. “Com a pandemia, a economia sofreu uma perturbação, uma ruptura em 'V'. Isto é, retornou à tendência pré-2009. A economia dos EUA recupera-se bem da depressão ocorrida durante o governo de Barack Obama”, avaliou.
Durante um evento drive-in na Filadélfia (Pensilvânia), Biden disse que a eleição de amanhã “é a mais importante de nossas vidas”. “Estamos em um ponto de inflexão”, advertiu, ao acusar os republicanos de tentarem coibir o comparecimento às urnas. “O presidente Trump está aterrorizando (o cenário político) na Pensilvânia. (…) Mas, o povo americano não ficará em silêncio. Mais de 90 milhões de pessoas já votaram”, acrescentou.
Vice faz apelo aos negros
A candidata democrata à vice-presidência dos Estados Unidos, Kamala Harris, disse que os eleitores negros são fundamentais para derrotar o atual presidente dos EUA, Donald
Trump, e eleger Joe Biden para a Presidência do país. Ao chegar para fazer campanha na Geórgia ontem, a senadora da Califórnia enfatizou que “não estamos dizendo a ninguém que eles deveriam votar em nós” e sim trabalhando para “conquistar o voto”.
Harris é a primeira mulher negra em uma chapa nacional de um grande partido. Parte considerável de seu tempo de campanha no outono do Hemisfério Norte foi focada nos eleitores negros em estados com populações negras proeminentes. Ontem foi sua segunda viagem a Atlanta nas últimas semanas da campanha.
Ela seguirá para a Pensilvânia hoje. A participação negra em ambos os estados poderia inclinar a balança na eleição presidencial. Harris disse que é um “trabalho longo” para a chapa Democrata mostrar aos eleitores negros que uma Casa Branca de Biden entenderia o “impacto desproporcional” que os eleitores negros norte-americanos sofreram com a pandemia de COVID-19 e desigualdades econômicas e sociais.
Preocupação no Brasil
O Brasil acompanha com especial atenção as eleições de amanhã nos Estados Unidos. O presidente Jair Bolsonaro tem em Donald Trump um de seus principais aliados, e o democrata Joe Biden criticou a política ambiental brasileira e enviou um recado ao Palácio do Planalto. “Parem de derrubar suas florestas; se vocês o fizerem, enfrentarão graves consequências econômicas”, afirmou, durante o debate de 29 de setembro. O Estado de Minas ouviu brasilianistas sobre a relação entre EUA e Brasil após uma eventual vitória de Biden.
O historiador britânico Kenneth Maxwell, professor da Universidade de Harvard, prevê mudanças em algumas áreas e continuidade em outras. “As transformações da política dos EUA impactarão os desafios ambientais, uma agenda verde e o enfrentamento das mudanças climáticas, que serão prioridades de Biden e do Senado, caso os democratas retomem o controle da casa, amanhã”, explicou. “Biden prometeu voltar aos Acordos de Paris, e o Brasil é visto pelos democratas como um dos culpados pelas violações (do pacto). Isso pode ser uma área de discordâncias futuras entre Bolsonaro, um negacionista das mudanças climáticas, e Biden.”
Maxwell aponta que o papel da China no Brasil não deverá ser impactado, como o envolvimento asiático na tecnologia 5G e os investimentos nos portos brasileiros, além da importância de Pequim nas exportações agrícolas brasileiras. “Esses são temas de preocupação nos círculos de governo dos EUA e provavelmente se intensificarão, quem quer que vença amanhã.”
Scott Mainwaring, professor de ciência política da Universidade de Notre Dame (em Indiana), não espera mudanças imediatas para o Brasil, em caso de triunfo democrata, nem conflito entre Washington e Brasília. “Um governo Biden seria muito cauteloso sobre críticas públicas a Bolsonaro e ao Brasil. Com o tempo as diferenças importantes de orientação entre ambos presidentes apareceriam – embora provavelmente sem muitos conflitos abertos. Por exemplo, Biden levará a sério a ameaça existencial da mudança climática, mostrará preocupação com o crescimento da agricultura comercial na Amazônia e com a proteção dos direitos democráticos no Brasil como parte de sua política externa”, disse. (RC)