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Estado de Minas

Eleição nos EUA 2020: por que a vitória de Biden não significa o fim do trumpismo

"Mesmo perdendo, será uma forte influência sobre os americanos e o futuro do Partido Republicano daqui para a frente", afirma o cientista político Justin Gest, professor da Universidade George Mason, na Virgínia.


08/11/2020 07:18 - atualizado 08/11/2020 11:11

(foto: Reuters)
(foto: Reuters)

Uma eleição em que o presidente busca um segundo mandato é sempre um referendo sobre seu governo, e neste ano os democratas esperavam que o pleito de 3 de novembro deixasse claro o repúdio dos americanos ao desempenho do republicano Donald Trump.

Mas apesar de o candidato democrata, Joe Biden, ter vencido a eleição, o resultado está longe de ser o esperado por seus apoiadores. Ao assumir o poder, em janeiro de 2021, Biden irá governar um país dividido, onde o trumpismo permanece forte.

Em um ano de comparecimento recorde, Biden foi o presidente que mais recebeu votos na história do país, ultrapassando a marca anterior, de 69,5 milhões de votos recebidos pelo democrata Barack Obama em 2008.

Mas mesmo assim sua vitória foi apertada, já que, nos Estados Unidos, o presidente é eleito de forma indireta, pelo Colégio Eleitoral, e receber a maioria do voto popular não é garantia de sucesso. A disputa pelos 270 votos do Colégio Eleitoral necessários para ganhar a Presidência foi acirrada e com incerteza até o último momento.

Apesar de ter sido derrotado, Trump teve desempenho melhor do que o esperado e, segundo números parciais, recebeu neste ano mais de 7 milhões de votos a mais do que havia recebido em 2016, quando também perdeu o voto popular, mas conquistou os votos necessários no Colégio Eleitoral para chegar à Casa Branca.

Contrariando as expectativas dos democratas, o Partido Republicano ampliou a presença na Câmara dos Representantes (equivalente à Câmara dos Deputados), recuperando algumas das cadeiras perdidas na eleição legislativa de 2018.

A expectativa de que o Partido Democrata conseguiria a maioria no Senado também foi colocada em xeque. Com poucas cadeiras ainda sem resultado confirmado, a única esperança do partido é vencer em janeiro duas disputas de segundo turno na Geórgia, Estado tradicionalmente republicano, apesar de Joe Biden aparecer à frente na apuração da eleição presidencial.

A base eleitoral fiel e o apoio de quase metade do país devem fazer com que, mesmo fora da Casa Branca, Trump continue sendo um líder influente no Partido Republicano.

"O resultado desta eleição demonstra que o trumpismo continua firme e forte", diz à BBC News Brasil o cientista político Justin Gest, professor da Universidade George Mason, na Virgínia.

"Mesmo perdendo, será uma forte influência sobre os americanos e o futuro do Partido Republicano daqui para a frente", afirma Gest, que é autor do livro The New Minority: White Working Class Politics in an Age of Immigration and Inequality ("A Nova Minoria: Política da Classe Trabalhadora Branca em uma Era de Imigração e Desigualdade", em tradução livre).

Acidente de percurso

Durante meses, Biden e os democratas repetiram que Trump, suas ações e declarações não representavam os americanos. "Não é isso que somos", disse o democrata mais de uma vez.


Derrotado, Trump fez diversas acusações de fraude de votos sem apresentar qualquer prova(foto: Reuters)
Derrotado, Trump fez diversas acusações de fraude de votos sem apresentar qualquer prova (foto: Reuters)

Muitos opositores de Trump acreditavam que sua vitória em 2016, quando chocou o mundo ao derrotar a adversária democrata, Hillary Clinton, era um acidente de percurso.

Trump ingressou na campanha de 2015 com um discurso agressivo contra imigrantes e a promessa de colocar os Estados Unidos "em primeiro lugar". Durante seus quatro anos na Casa Branca, quebrou protocolos, ridicularizou e atacou oponentes e até aliados e chegou a sofrer um impeachment, sendo absolvido em julgamento no Senado controlado por seu partido.

Seus críticos o acusam de incompetência e de ter incitado e aprofundado a polarização já existente no país e abalado a confiança nas instituições nacionais. Nos últimos meses, ele foi duramente criticado por sua resposta à pandemia de coronavírus, que já deixou mais de 240 mil mortos nos Estados Unidos e milhões sem emprego.

Para grande parte dos opositores de Trump, os eleitores que haviam votado nele em 2016 estavam apostando em uma mudança, sem saber o que aconteceria. Mas agora, depois de quatro anos em que as medidas de seu governo e sua postura como presidente ficaram claras, esses opositores esperavam que Trump e o partido liderado por ele fossem amplamente rejeitados nas urnas.

Essa expectativa foi alimentada por pesquisas de intenção de voto, que indicavam clara vantagem para Biden. Muitos esperavam que o democrata fosse vencer de lavada, conquistando Estados como a Flórida, sempre disputada, e até mesmo o Texas, tradicionalmente republicano. Os democratas também esperavam retomar o controle do Senado e ampliar sua maioria na Câmara.

No entanto, assim como ocorreu 2016, as pesquisas subestimaram o apoio a Trump. Biden realmente venceu o pleito, como previsto, mas sua vantagem em vários Estados foi bem menor do que a esperada.

Negros e latinos

Trump manteve a força entre eleitores brancos sem ensino superior e evangélicos. Os resultados mostram ainda que permanece a grande divisão entre moradores das zonas rurais (que apoiam Trump) e urbanas (favoráveis aos democratas).

A maioria dos eleitores negros e latinos vota historicamente no Partido Democrata, e essa tendência também se manteve neste ano. Segundo a boca de urna Edison Research, Biden recebeu o apoio de 80% dos homens negros, 91% das mulheres negras, 61% dos homens latinos, e 70% das mulheres latinas.


Sociedade americana está mais polarizada do que nunca(foto: EPA)
Sociedade americana está mais polarizada do que nunca (foto: EPA)

Mas a pesquisa indica que, em alguns Estados, Trump teve desempenho melhor neste grupo do que o registrado há quatro anos. De acordo com a boca de urna, Trump recebeu os votos de 18% dos homens negros, acima dos 13% de 2016. Entre mulheres negras, a fatia passou de 4% para 8%. Ele recebeu os votos de 36% dos homens latinos e 28% das mulheres latinas, aumento de três pontos percentuais em comparação à eleição anterior.

Apesar das expectativas iniciais de muitos democratas, Trump venceu na Flórida e no Texas, assim como em 2016. Nesses dois Estados, o desempenho de Biden entre os latinos ficou abaixo do esperado e também do registrado por Hillary Clinton há quatro anos. Em 2016, Trump recebeu os votos de 35% dos latinos na Flórida. Neste ano, segundo a boca de urna, foi apoiado por 47%.

Mesmo pequenos, esses avanços surpreenderam aqueles que acreditavam que esse eleitorado se afastaria ainda mais de Trump, que chamou imigrantes mexicanos de estupradores, endureceu leis de imigração e respondeu com força e promessas de lei e ordem os protestos contra injustiça racial que se espalharam pelo país neste ano.

Mas o eleitorado latino nos Estados Unidos tem grande diversidade de origem e posições políticas. Muitos são conservadores em questões econômicas e sociais, como a população de origem cubana ou venezuelana na Flórida. Parte dos homens latinos que votaram em Trump também parecem ter sido atraídos pela imagem de masculinidade forte e tradicional projetada pelo republicano.

No entanto, analistas recomendam cautela ao encarar esses dados, ressaltando que nacionalmente o apoio das minorias ao Partido Democrata permanece praticamente intacto.

O cientista político Vincent Hutchings, professor da Universidade de Michigan, salienta que, apesar de Trump ter ido um pouco melhor entre o eleitorado latino em alguns Estados, nacionalmente não há diferença relevante em relação à eleição anterior.

"(O desempenho de Trump com o eleitorado negro) é o mesmo que qualquer candidato republicano receberia", diz Hutchings à BBC News Brasil.

"Trump tem um estilo bombástico, mas as políticas que ele defende são consistentes com as de um republicano genérico", afirma.

Apoiadores

Biden concorreu prometendo acabar com o caos e unificar uma nação dividida. Mas esta eleição mostrou que os Estados Unidos permanecem tão (ou mais) polarizados do que há quatro anos, e que quase metade do país continua fiel a Trump.

Seus eleitores comemoram o bom desempenho econômico registrado pelo país antes da pandemia, cortes de impostos do primeiro ano de governo e o fato de Trump ter nomeado para os tribunais do país juízes conservadores, que se opõem ao aborto. Também não acham que Trump tem culpa pelos estragos do coronavírus.


Presidente Trump fortaleceu movimento conspiracionista QAnon(foto: Getty Images)
Presidente Trump fortaleceu movimento conspiracionista QAnon (foto: Getty Images)

Críticos dizem que Trump aprofundou o ressentimento de seus apoiadores e reforçou a mensagem de "nós contra eles". Em um momento de extrema polarização, ambos os lados consideram os adversários um perigo mortal para os valores do país.

Seu estilo de fazer política passou a ser copiado por muitos candidatos republicanos a cargos estaduais e locais. Se quatro anos atrás Trump era rejeitado por grande parte dos políticos tradicionais de seu partido, hoje ele tem o domínio completo. Poucos ousam discordar dele em público, com medo de virarem alvo de seu exército de quase 90 milhões de seguidores no Twitter.

Apesar de ser bilionário, Trump cultivou entre seus eleitores uma imagem de opositor das elites, que diz o que pensa e não se desculpa.

"Ele deu poder e voz a um grupo que se sentia alienado e excluído, seja isso verdade ou não", diz à BBC News Brasil o cientista político Hans Noel, professor da Universidade de Georgetown, em Washington.

"Esses eleitores brancos de classe trabalhadora estavam ouvindo que seu sofrimento e seus problemas não eram culpa deles, e que Trump iria ajudá-los", afirma Noel.

Continuação

Gest observa que, entre os apoiadores de Trump, há desde pessoas com tendências nacionalistas e autoritárias até eleitores religiosos e ainda republicanos tradicionais que sempre votaram no partido. No entanto, também há eleitores que costumavam votar nos democratas, mas se sentiram abandonados pelo partido.

"Muitos decidiram apostar em Trump (em 2016) porque estavam sofrendo, estavam vendo o declínio econômico, tinham a sensação de declínio social, sentiam que, culturalmente, eram desprezados em sua sociedade, sentiam que haviam perdido poder político", afirma.


Trump deu poder e voz a um grupo que se sentia alienado e excluído, diz especialista(foto: Reuters)
Trump deu poder e voz a um grupo que se sentia alienado e excluído, diz especialista (foto: Reuters)

Segundo Gest, eram esses os eleitores que muitos pensavam que poderia retornar ao partido democrata neste ano.

"Mas os democratas não fizeram muito para conquistá-los de volta. A única coisa que fizeram, de uma maneira simbólica, foi escolher Biden, o melhor candidato para apelar a esse tipo de eleitor", afirma Gest.

"Mas o problema é que o Partido Democrata em si não reflete mais essa fatia demográfica como ocorria até o século passado."

Apesar de alguns críticos e opositores considerarem que a Presidência de Trump foi um desvio na história do país, outros dizem que ele é apenas a continuação de um movimento que sempre existiu. Hutchings, da Universidade de Michigan, diz que evita chamar de trumpismo o fenômeno atual.

"Porque isso poderia sugerir que começou com Trump, mas não é o caso. Trump não é a fonte desse ponto de vista na política americana, ele é apenas seu símbolo mais recente", afirma.

"Basicamente é uma linha de conservadorismo, se é que é possível chamar assim, na política americana que está aqui talvez desde o início. Se havia qualquer expectativa de que isso iria desaparecer ou diminuir, (essa expectativa) estava errada."


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