Depois de comemorar sua vitória sobre Donald Trump, Joe Biden se concentrou nos preparativos para sua chegada à Casa Branca ontem com duas prioridades: o combate à pandemia e a reconciliação de um país dividido, sem ter ainda recebido o reconhecimento do presidente republicano. Católico, Biden saiu cedo para ir à missa e visitar o túmulo dos filhos e passou o restante do dia em casa com a família. O presidente eleito já anunciou que hoje estabelece uma célula de crise contra o coronavírus. Essa futura unidade de crise, formada por cientistas e especialistas, seria a responsável pela construção de um “plano que entrará em vigor no dia 20 de janeiro de 2021”, data da sua posse.
Ele, portanto, já demonstra uma visão oposta de seu rival Donald Trump, que sempre minimizou a pandemia. O país, o mais afetado do mundo, enfrenta um aumento acentuado da epidemia, com recordes de novas contaminações há vários dias. Registrou, nas últimas 24 horas, mais de 122.000 novos casos positivos e 991 mortes, elevando o total de óbitos para mais de 237.000.
A construção do novo governo, no entanto, já começou e a prioridade é desfazer uma série de medidas tomadas por seu antecessor. A política externa e a mudança climática também receberão atenção especial. Assessores de Biden começarão a traçar nesta semana os planos para implementar a agenda do novo governo, por meio da formação de equipes de revisão. Há expectativa de que Biden nomeie um chefe de gabinete rapidamente, porque essa pessoa servirá como braço direito do presidente eleito quando ele se estabelecer no governo.
Entre as medidas que serão tomadas pela equipe está o lançamento de um site (BuildBackBetter.com) e contas em redes sociais. Além disso, os assessores que serão nomeados pelo novo presidente ganharão acesso às agências para as quais foram designados, como o Departamento de Estado de Saúde e de Serviços Humanos. Uma vez lá, as equipes trabalharão ao lado de funcionários de carreira, que os informarão sobre as principais regulamentações e iniciativas na pauta de cada agência.
Apesar do início da formação desse gabinete de transição, as equipes de revisão não podem entrar nas agências até que a Administração de Serviços Gerais identifique formalmente um vencedor da eleição, uma determinação técnica que concederá à equipe de Biden uma grande quantidade de recursos governamentais. Desta maneira, após a identificação do vencedor, o novo presidente terá que nomear publicamente os nomes dos membros das equipes de revisão que ainda não foram anunciados. Por enquanto, a expectativa é que Biden anuncie uma equipe separada de especialistas em saúde e cientistas que aconselharão a transição enquanto expõe o plano do presidente eleito para combater a pandemia do novo coronavírus.
Na sua campanha Biden já traçou alguns limites, como o projeto de uma rede nacional para a realização de testes, a obrigatoriedade do uso de máscaras em prédios federais e a vacina gratuita, assim que ela for desenvolvida e testada. Outro eixo importante é a promessa de cancelar o processo de retirada dos Estados Unidos da Organização Mundial da Saúde (OMS), lançado por Trump, e voltar ao Acordo do Clima de Paris para limitar as emissões que causam as mudanças climáticas.
Além disso, o democrata prometeu anular o decreto republicano de imigração que proíbe a entrada no país de cidadãos de vários países muçulmanos e anunciou que abrirá caminho para a regularização de cerca de 11 milhões de imigrantes sem documentos.
Incerteza no Senado A atitude de Trump nos próximos dias pesará na capacidade de Biden de atuar antes de 20 de janeiro, uma vez que, para ter acesso às agendas, é necessária uma decisão administrativa para efetivamente lançar a transição. Ontem pela manhã, Trump citou um especialista no Twitter dizendo que a “eleição foi roubada” e depois ele deixou a Casa Branca para jogar golfe (leia abaixo).
Biden e sua companheira de chapa, a senadora negra Kamala Harris – a primeira mulher a se tornar vice-presidente do país – devem começar a considerar a composição de seu gabinete, que deve dar às mulheres e às minorias um lugar de destaque. Em sintonia com seu discurso de unidade, especula-se também sobre a inclusão de representantes da extrema esquerda de seu partido, sem esquecer os centristas e talvez até alguns republicanos. Mas essa decisão está sujeita à forma como o Senado será formado e esses resultados ainda não estão completos.
Nesta legislatura que termina, os republicanos detêm a maioria na Câmara Alta com 53 dos 100 assentos. Nesta eleição, em que 35 cadeiras foram renovadas, os democratas perderam uma e obtiveram duas dos republicanos. No entanto, a contagem dos votos em dois estados ainda precisa ser concluída e na Geórgia um segundo turno será necessário porque nenhum dos candidatos atingiu o limite para ser eleito. A eleição será realizada no dia 5 de janeiro, juntamente com a eleição do segundo senador por este estado.
O Senado será crucial na resposta à aguda crise econômica causada pela COVID-19 que deixou milhões de desempregados e danos profundos à economia dos Estados Unidos. Antes das eleições, a Câmara dos Representantes dominada pelos democratas e o governo não chegaram a um acordo para lançar um novo plano de ajuda como o pacote de US$ 3 trilhões aprovado em março. Diante das poucas chances de chegar a um acordo antes da mudança de comando, essas negociações seriam um primeiro teste para o governo Biden se os republicanos mantiverem a maioria no Senado. Também permitiria que os republicanos bloqueassem as indicações para o novo governo.
Trump reluta e ataca a imprensa
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, usou sua conta no Twitter ontem, para voltar a questionar o processo eleitoral. Após o democrata Joe Biden vencer na Filadélfia e conseguir os votos para levar a disputa no Colégio Eleitoral, Trump não se mostra disposto a admitir a derrota e tem renovado declarações sobre supostas fraudes na apuração. “Desde quando a mídia 'lamestream' diz quem será nosso próximo presidente?", questionou, usando uma expressão pejorativa para se referir à mídia tradicional. “Nós temos aprendido muito nas últimas duas semanas”, ironizou.
Trump ainda postou, em outra mensagem, um link do site conservador Breitbart sobre supostos problemas na apuração na Geórgia, estado em que ele aparece atrás de Biden por pequena margem na apuração. Donald Trump visitou seu campo de golfe em Sterling, Virginia, perto de Washington, ontem, pelo segundo dia consecutivo após o anúncio de sua derrota para Joe Biden nas eleições presidenciais dos EUA. Fã de golfe, o presidente republicano já estava em campo quando a mídia dos EUA projetou no sábado que ele não conseguiria mais alcançar o democrata Joe Biden, que se tornou o presidente eleito dos Estados Unidos após as eleições de 3 de novembro.
Donald Trump não reconhece sua derrota e diz, sem provas, que o pleito foi marcado por irregularidades. Na viagem da Casa Branca para Sterling, Trump presenciou americanos acenando sinais hostis enquanto sua caravana passava. No dia anterior, multidões alegres saíram às ruas das principais cidades americanas para comemorar sua derrota.
Divisão A decisão do presidente Donald Trump de não reconhecer a vitória do democrata Joe Biden na corrida pela Casa Branca está dividindo o Partido Republicano, que não está unido em torno do questionamento dele. O ex-presidente republicano George W. Bush, cuja vitória eleitoral em 2000 foi decidida pela Suprema Corte de Justiça, telefonou para o democrata Joe Biden ontem para parabenizá-lo por sua vitória em eleições “fundamentalmente honestas” com um resultado “claro”. “Apesar de nossas diferenças políticas, sei que Joe Biden é um bom homem que ganhou a oportunidade de liderar e unificar nosso país”, disse Bush, que serviu na Casa Branca entre 2001 e 2009, em um comunicado.
Em seu discurso de vitória em Wilmington, Delaware, na noite de sábado, “o presidente eleito reiterou que era o candidato democrata, mas que governará o país para todos os americanos”, acrescentou Bush, que agradeceu a Biden por sua “mensagem patriótica”. Em um momento em que o presidente Trump cita irregularidades, Bush destacou o comparecimento recorde na eleição, algo que considerou um sintoma da boa “saúde da democracia” nos Estados Unidos. “O presidente Trump tem o direito de exigir a recontagem e apresentar recursos legais”, mas “os americanos podem ter confiança nesta eleição honesta, cuja integridade será confirmada e cujo resultado é claro”, acrescentou.
Já Lindsey Graham, um dos republicanos mais proeminentes no Senado dos Estados Unidos, pediu a Donald Trump ontem que “lutasse muito” e não reconhecesse sua derrota para Joe Biden na disputa pela Casa Branca. Além disso, Graham disse que as alegações de fraude do presidente – sem provas – deveriam ser investigadas. Outros republicanos disseram que os processos legais devem ser permitidos. “Trabalharemos com Biden se ele ganhar, mas Trump não perdeu”, disse o senador Graham pela Carolina do Sul à Fox News.
O senador republicano Mitt Romney (Utah) afirmou que seu partido quer estabelecer um bom relacionamento político com Joe Biden, logo após sua posse em janeiro, para a aprovação de medidas importantes para a recuperação dos EUA, em meio à pandemia do coronavírus e à crise econômica. “Ele, contudo, atuou no Senado por tempo suficiente para saber que, se for para uma direção extrema, fracassará”, advertiu. “Mas se ele for trabalhar de forma bipartidária, ficaremos felizes em atuar com ele.”
Mudança
O parlamentar destacou à rede NBC ontem que os eleitores nos EUA "quiseram uma mudança na Casa Branca", referindo-se à derrota do presidente Trump, mas também optaram por manter políticas defendidas pelos republicanos, o que foi representado com a vitória de diversos políticos do partido no Congresso e em muitos Estados. Romney afirmou que não sabe se o presidente Trump reconhecerá que perdeu as eleições para Biden. “Nós não vamos mudar o presidente agora. Os olhos do mundo estão sob nós. Ele tem o direito de pedir recontagem de votos na Geórgia, pois há uma diferença de 10 mil votos”, a favor de Biden, comentou. E apontou que, se o resultado de vitória do democrata for ratificado, Trump “terá de aceitar o inevitável”.
Na avaliação do senador, o que lhe preocupa mais são expressões utilizadas pelo presidente, como eleições “manipuladas e roubadas”, com as quais descreveu o desfecho do pleito deste ano. “Esta é uma linguagem utilizada por autoritários pelo mundo. É importante não adotá-la para que não leve a um caminho que será muito infeliz para o país”, disse Romney.
Manifestações
Centenas de pessoas saíram às ruas dos Estados Unidos novamente ontem para se manifestar contra e a favor do presidente Donald Trump. As pessoas celebram o presidente eleito Joe Biden e a vice-presidente eleita Kamala Harris no escritório do 14º distrito congressional de Michigan ontem em Detroit, Michigan. Enquanto os apoiadores do Trump se manifestam na capital do estado de Michigan Membros de uma milícia prometeram comparecer à manifestação "Stop the Steal", alegando que a eleição presidencial foi roubada. Em washington, os americanos se reuniram na Black Lives Matter Plaza em frente à Casa Branca.