Em seu elegante apartamento com vista para o Nilo, no Cairo, Ahmed Khadaf al Dam guarda a memória e as palavras de seu primo Muamar Kadhafi, de quem era conselheiro.
Sob seu regime, a Líbia foi um "refúgio de paz" e a revolução de 2011 nunca existiu, diz ele.
Khadaf, de 68 anos, tem uma semelhança impressionante com o homem que liderou a Líbia com mãos de ferro por mais de 40 anos, como mostram as inúmeras fotos que decoram as paredes de sua casa no sofisticado subúrbio de Zamalek.
E a eloquência familiar parece não ter perdido seu brilho prestes a completar dez anos da morte de seu "Guia".
"A Líbia era um refúgio de paz no norte da África e no Mediterrâneo. Não havia terrorismo, nem extremistas, e as pessoas estavam morrendo de fome", disse o homem de cabelos escuros vestido uma 'abaya'(túnica) em uma entrevista à AFP.
Após a morte do ditador em 20 de outubro na cidade líbia de Sirte, o país mergulhou em um caos político e de segurança, que a ONU e a comunidade internacional não conseguiram resolver até o momento.
E qual memória Khadaf tem da Primavera Árabe na Líbia?
Para ele, "não houve revolução na Líbia. Houve um ataque para matar Muamar Khadafi", ressalta esse homem, apesar de sua renúncia no início da revolução, em fevereiro de 2011, e também de um círculo de colaboradores muito próximos ao líder.
Para ele, o Ocidente parece ser o único responsável pelo atual caos na Líbia, especialmente o ex-presidente francês Nicolas Sarkozy e a então secretária de Estado americana, Hillary Clinton, que causou 10 anos de "fome, pobreza e destruição".
A referência é sobre a intervenção militar de Paris, Washington e Londres com o apoio da OTAN em março de 2011, quando o regime prometeu atacar Benghazi, reduto da rebelião.
- "Missões impossíveis" -
Este ex-militar também culpa os ex-líderes ocidentais pelo surgimento do jihadismo, incluindo o grupo Estado Islâmico (EI), que conseguiu se estabelecer por vários anos na Líbia.
Esse jihadismo é um "Islã criado por Clinton e Sarkozy",afirma. Personagem incontornável do regime, este primo de Khadafi exerceu várias funções junto ao líder, entre elas, a de "coordenador das relações líbio-egípcias", uma espécie de mediador com o então presidente egípcio, Hosni Mubarak.
Nestes anos no poder, pode se reconhecer uma diferença com Muamar Khadafi: ele defendia mais diplomacia e alguns sucessos são atribuídos a ele como a normalização das relações com a Arábia Saudita, Egito ou Marrocos, nações que romperam com a Líbia em decorrência de atos violentos e declarações polêmicas de Khadafi.
O primo do ex-líder líbio era então conhecido como o "homem de missões impossíveis". Do Cairo, capital do Egito, onde foi para o exílio, Khadaf al Dam é muito pessimista sobre a situação regional.
"Destruição, deslocamentos forçados, mortes, roubos, instabilidade, terrorismo, imigração ilegal: a região está mil vezes pior do que há 10 anos", resume.
Na Tunísia, pioneira e sobrevivente da Primavera Árabe, "o povo saiu com reivindicações claras e o presidente foi expulso", reconhece. "Mas as condições ainda são instáveis hoje".
Quanto ao Egito, onde o presidente islâmico Mohamed Mursi foi deposto em 2013 pelo atual chefe de estado Abdel Fatah al Sisi, ele acredita que "poderia ter caído em outra armadilha, com os grupos extremistas islâmicos no poder e a cobertura de seus colegas líbios", garante.