Coincidência ou correlação? As zonas mais afetadas na Alemanha pela segunda onda da pandemia são redutos da extrema-direita, contrárias às medidas de restrição e adeptas de teorias da conspiração.
A Alemanha, o 'bom aluno' europeu durante a primeira onda da primavera (hemisfério norte), enfrenta agora grandes dificuldades a poucos dias do inverno para reduzir o número de contágios, com quase 20.000 novos casos registrados a cada dia e um número recorde de mortes nesta quarta-feira, 590 vítimas fatais.
O número provocou a reação da chanceler Angela Merkel.
"Há muito contato" entre as pessoas, afirmou a chanceler, citando como exemplo as barracas de comida montadas nos tradicionais mercados de Natal.
"Lamento muito, mas se isso significa pagar um preço diário de 590 mortes, do meu ponto de vista, não é algo aceitável", acrescentou.
Merkel considerou "justificadas" as propostas de um grupo de especialistas que defendem o fechamento entre o Natal e meados de janeiro de todos os estabelecimentos não alimentícios e também das escolas.
"Temos de fazer de tudo" para evitar "uma progressão exponencial" no número de casos, insistiu a chanceler.
- Preocupação na ex-Alemanha Oriental -
A situação é especialmente alarmante nos estados da ex-Alemanha Oriental.
"É surpreendente constatar que as regiões mais afetadas são aquelas em que o voto no partido AfD (Alternativa para Alemanha, extrema-direita) foi mais elevado nas últimas eleições legislativas, de 2017", resumiu o comissário de governo para os estados federais que integravam a ex-Alemanha Oriental, Marco Wanderwitz, que é da Saxônia.
O estado-região é o caso mais emblemático. Registrava a taxa de incidência mais elevada da Alemanha, com 319,4 casos por 100.000 habitantes na terça-feira, quando a média federal é de 114,2, segundo o Instituto Robert Koch.
Em 2017, o estado deu 27% dos votos para o AfD, melhor resultado do partido de extrema-direita no país.
Uma equipe do Instituto para a Democracia e a Sociedade Civil, com sede na região vizinha Jena, publicou um estudo sobre "a correlação estatística forte e muito significativa" entre o voto no AfD e a intensidade da pandemia, anunciou seu diretor, Matthias Quent.
"Podem existir fatores que expliquem os altos resultados do AfD e, ao mesmo tempo, valores de incidência elevados, sem que a correlação seja o único fator explicativo", adverte o pesquisador.
A proporção de pessoas idosas e de famílias numerosas, a presença de trabalhadores transfronteiriços e até mesmo a organização de um sistema de atendimento, diferente de acordo com os estados, também influenciam o dinamismo da pandemia.
- "Burka para todos" -
Entre os partidos alemães, o AfD é o único que expressou publicamente seu ceticismo e inclusive oposição às medidas de restrição.
Seus deputados relutaram a usar máscara no Parlamento, comparada com uma "burka para todos" por um deles.
Uma pesquisa recente do instituto Forsa mostrou que 56% dos eleitores do AfD considera excessivas as medidas restritivas.
E há muitas conexões com o movimento alemão dos "livre pensadores", que reúne em manifestações frequentes um grupo heterogêneo de opositores das vacinas, defensores de teorias da conspiração e simpatizantes da extrema-direita.
Quase um terço dos manifestantes expressou o desejo de votar no partido AfD em 2021, segundo um estudo publicado pelo jornal FAZ.
Na Saxônia, a situação de saúde é tão grave que as autoridades anunciaram na terça-feira uma série de medidas drásticas, que incluem o fechamento a partir de segunda-feira de escolas, creches e várias lojas.
Em cidades como Görlitz, ou Bautzen, onde a extrema-direita tem a simpatia de 25% dos eleitores, a taxa de incidência se aproxima de 400.
Na maior cidade do estado, Leipzig, onde a esquerda lidera, a taxa de incidência é próxima da média federal, com 140,1 na terça-feira.