- Como se chegou até aqui?
Em 2015, a República Islâmica e o Grupo dos 5+1 (China, Estados Unidos, França, Reino Unido, Rússia e Alemanha) firmaram em Viena o Plano de Ação Conjunta Global (JCPOA, na sigla em inglês), que resolveria a questão nuclear iraniana, após 12 anos de tensões.
Este acordo oferece ao Irã uma flexibilização das sanções internacionais em troca de limitar drasticamente seu programa nuclear e garantir que não desenvolverá a bomba atômica.
Em 2018, o presidente americano, Donald Trump, retirou os Estados Unidos do JCPOA, de forma unilateral, e restabeleceu suas sanções contra Teerã, as quais haviam sido suspensas. O Irã entra em recessão.
No ano seguinte, Teerã decide se liberar, gradualmente, dos compromissos assumidos em Viena para forçar (sem sucesso por enquanto) os outros signatários do acordo a ajudá-lo a contornar as sanções americanas.
O Irã afirma que está disposto a voltar a aplicar o acordo, se for apoiado. Enquanto isso, decide enriquecer urânio acima do limite estabelecido em Viena (3,67%), embora sem ultrapassar 4,5%.
- Por que essa decisão agora?
A decisão de passar para 20% (o limite para uma arma nuclear é de 90%) não foi do governo reformista moderado de Hassan Rohani, principal artífice iraniano do acordo, mas do Parlamento, controlado desde fevereiro pelos conservadores.
Após o assassinato de um físico nuclear em um ataque que Teerã atribui a Israel, os parlamentares aprovaram uma lei, em dezembro, exigindo voltar imediatamente ao patamar de 20% de enriquecimento (praticado antes do JCPOA), até 120 kg por ano.
"O governo Rohani demora a implementar a lei (...) mas não pode ignorá-la totalmente", disse o ex-embaixador francês no Irã François Nicoullaud à AFP, porque, acima de tudo, é "uma questão de política doméstica".
"Decide retomar o enriquecimento a 20%, mas sem pressa e sob estrito controle" da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), acrescenta.
"Para os conservadores, trata-se de demonstrar (...) que os assassinatos seletivos (...) não freiam, e sim aceleram o programa nuclear", afirma Clément Therme, especialista em Irã no Centro de Pesquisas Políticas (CERI) de Paris.
- Quais seriam as consequências diplomáticas?
O enriquecimento a 20% é retomado pouco antes da posse do democrata Joe Biden na Presidência dos Estados Unidos, em 20 de janeiro.
O presidente eleito já declarou sua intenção de reintegrar os Estados Unidos ao acordo de Viena, mas coloca condições inaceitáveis para Teerã.
E, assim como Paris e Berlim, quer negociar mais amplamente com o Irã a questão de seus mísseis e sua influência regional, algo que Teerã não vê com bons olhos.
Embora Rohani multiplique os sinais de abertura para com o futuro governo dos EUA, o iraniano exige o levantamento incondicional das sanções.
Para Teerã, "trata-se de negociar com os governos de Biden, Paris e Berlim, para além das questões nucleares", disse Therme à AFP.
Ao retomar o enriquecimento a 20%, "a República Islâmica espera que a obsessão nuclear ocidental provoque o retorno a uma estratégia de negociação, baseada em uma troca entre a suspensão das sanções e as restrições ao programa nuclear iraniano, resolvendo outras questões", acrescenta.
Nesta quarta, França, Alemanha e Reino Unido, criticaram a decisão de Teerã, que representa, segundo eles, em um comunicado conjunto, "um risco muito significativo de proliferação nuclear" e "prejudica ainda mais" o acordo de 2015.
- Rohani de fato privilegia a diplomacia?
"Sim", diz Nicoullaud, porque, se Rohani conseguir suspender as sanções, "sua corrente centrista e moderada vai recuperar peso (...) mas precisa fazer isso rápido", acrescenta, lembrando a data das próximas eleições presidenciais iranianas, em 18 de junho.
Rohani "baseou sua estratégia internacional na desescalada e na busca do diálogo e da distensão", acrescenta Therme. E ele segue neste caminho, completou o especialista.
- O Irã se aproxima 'perigosamente' de obter a bomba, como afirma Israel?
"Não", Nicoullaud responde.
Para isso, "teria que produzir cerca de 250 quilos de urânio a 20% e, depois, levar até 90% para fazer uma primeira bomba".
"O sinal é simbólico, embora forte", avalia. "O enriquecimento de 20% vai acabar quando conseguir um acordo" com Washington, completa.
Para Therme, a estratégia iraniana é "pressionar para se manter no âmbito de uma negociação estritamente nuclear".
TEERÃ