Jornal Estado de Minas

BELGRADO

Mulheres dos Balcãs rompem com tabu da violência sexual

"Um gatilho coletivo". Desde que uma atriz sérvia disse publicamente que havia sido estuprada por seu ex-professor, milhares de mulheres da região dos Balcãs têm falado sobre violência sexual - um clamor maciço que os ativistas esperam que se transforme em uma mudança duradoura.



Os países da região, em sua maioria patriarcais, vivenciaram movimentos contra a violência contra as mulheres nos últimos anos. No entanto, a onda desencadeada há cerca de dez dias sob o lema "Você não está sozinha" ("Nisi Sama") é surpreendentemente importante.

A catarse ocorre principalmente na internet, como na página do Facebook "Não fui atrás de você" ("Nisam Trazila") criada por atrizes bósnias.

"Há anos tento criar coragem para conseguir contar a alguém, para acalmar minha alma, para ressuscitar a garota assassinada dentro de mim", relata uma jovem a respeito da agressão sexual que sofreu aos 14 anos.

As mulheres foram inspiradas por Milena Radulovic, de 25 anos, uma atriz conhecida na região, que quebrou o silêncio ao jornal Blic no último 17 de janeiro.

A atriz acusa Miroslav Aleksic, de 68 anos, um famoso professor de teatro de Belgrado, de tê-la estuprado quando ela era menor de idade e de ter abusado de outras alunas de sua renomada escola.



O professor, em prisão preventiva há um mês, nega todas as acusações.

"Temos que parar com isso", defende a atriz, referindo-se a sua "enorme responsabilidade com as crianças, com a sociedade e também comigo mesma".

"Se ficarmos em silêncio, permitimos o mal", acrescenta.

Os relatos de abusos se estendem a todas as esferas da sociedade. De acordo com um estudo da OSCE de 2019, a taxa de mulheres que denunciam assédio sexual na Sérvia é cerca de 10 pontos menor do que a média da União Europeia.

Segundo os autores, isso é provavelmente uma consequência dos "tabus" que impedem as mulheres de denunciar e da "falta de consciência do que se trata o assédio sexual".

- Saturação -

Na Sérvia, a vitória judicial da ex-secretária Marija Lukic contra seu empregador, o prefeito de uma pequena cidade, condenado em 2020 a três meses de prisão por assédio sexual e agressão, é considerada a primeira manifestação de um #MeToo sérvio.



Mas a saturação referente a esse tipo de situação existe há muito tempo.

"Há muita energia, frustração e medo entre a população feminina", conta à AFP Marinella Matejcic, uma ativista croata da associação PaRiter.

Seu movimento "Mulheres no Espaço Público", lançado no verão de 2020, registrou milhares de relatos de assédio nas ruas.

Em Belgrado, o telefone do Centro Autônomo da Mulher (AZC), que acompanha vítimas de violência desde 1993, não para de tocar.

"Normalmente, recebemos chamadas principalmente sobre violência física ou psicológica. É raro que as mulheres nos falem sobre violência sexual imediatamente", ressalta Sanja Pavlovic, uma das funcionárias do centro, à AFP.

As palavras de Radulovic soaram como um "gatilho coletivo", acrescenta.

No Twitter, uma denúncia coletiva foi organizada perante as autoridades universitárias contra um professor da Faculdade de Filologia de Belgrado.

E o reitor da faculdade de teatro de Zagreb afirma ter recebido cerca de vinte queixas de assédio sexual e agressão em poucos dias.

As ONGs esperam que o fenômeno em andamento se transforme em mudanças duradouras.

"Além das mensagens de apoio e apelos à denúncia, gostaria que nossos políticos tivessem a iniciativa de mudar a lei" para facilitar o trâmite judicial dos casos de estupro, explica Sanja Pavlovic.

Goran Milanovic, um psicólogo, lançou uma petição com outros profissionais para exigir que "a educação sobre o reconhecimento e a proteção contra a violência sexual" fosse incluída nos currículos escolares.

Esta iniciativa, denominada "Não é Não", recolheu quase 10.000 assinaturas.

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