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Estado de Minas NECOCLI

Uma rota alternativa ao Mediterrâneo: a odisseia dos migrantes africanos naa Américas


11/02/2021 11:33

Ahmed Kabeer sai mancando com uma cicatriz profunda na perna esquerda. Em sua longa fuga do Sudão enfrentou milhares de quilômetros e ainda tem que passar pelo inferno: a selva entre a Colômbia e o Panamá.

Kabeer embarcou em uma jornada diferente da dos árabes e africanos que se lançam no Mediterrâneo rumo à Europa. Ele preferiu fugir da guerra e da pobreza viajando entre continentes para um dia chegar aos Estados Unidos. "Há uma rota" pela América Latina, explicou à AFP.

Com ele estão 22 homens e mulheres do outro lado do mundo que passam despercebidos entre centenas de pessoas do Haiti e de Cuba. Quase nenhum fala espanhol, mas alguns são fluentes em português e atuam como intérpretes.

Após uma pausa forçada pela pandemia, eles esperam cruzar o Darien Gap, um corredor de floresta de 266 km entre a Colômbia e o Panamá.

Quase 700 migrantes ficaram bloqueados por semanas em Necoclí, na Colômbia, onde improvisaram um acampamento enquanto aguardavam a reabertura das fronteiras.

"Descobri que não é difícil conseguir visto para o Brasil", diz o sudanês de 34 anos, que já passou pelo Brasil, Peru e Equador. Da Colômbia irá para o Panamá e continuará avançando para o norte, rumo aos Estados Unidos. O percurso é possível sem documentos, mas com dinheiro no bolso. São fronteiras porosas onde o suborno é comum, explica ele.

- Uma trajetória difícil -

A odisseia de Kabeer começou logo após a eclosão de um conflito interno no Sudão em 2003, envolvendo minorias étnicas.

No ano seguinte, sua mãe e seu tio foram assassinados. Ele decidiu fugir por vários países da África e do Oriente Médio até que Israel o expulsasse em 2018.

Ele retornou ao Sudão e, em 2019, foi capturado por agentes do Estado. Kabeer afirma que foi torturado por causa de sua filiação tribal. Uma cicatriz profunda atravessa a panturrilha esquerda até o calcanhar.

Ele fugiu para o Egito, onde abriu um pequeno negócio, mas foi assaltado. Desesperado, viajou como turista para São Paulo no ano passado.

Desde o desembarque, percorreu pelo menos 5.000 quilômetros por terra que, espera, o levará a "um lugar seguro onde posso falar inglês (...) como Estados Unidos ou Canadá".

A rota da Colômbia ao México geralmente leva entre sete e dez semanas.

A probabilidade de sofrer "violência física e psicológica é consideravelmente alta durante toda a viagem e especialmente entre a Colômbia e o Panamá", explica um porta-voz da Organização Internacional para as Migrações.

- "Um lugar seguro"

Lanternas, baterias e facões são essenciais para a próxima etapa. A viagem clandestina pelo Darién ocorre à noite e costuma durar cinco ou seis dias.

Além de pântanos e cobras, há traficantes de drogas que usam essas rotas para levar cocaína para a América Central.

De acordo com os moradores, eles não veem os migantes com bons olhos. "Não é um caminho 100% seguro, vou enfrentar dificuldades", reconhece Kabeer.

Entre janeiro e outubro de 2020, o Panamá interceptou 287 africanos na selva e os transferiu para abrigos temporários, esperando a Costa Rica abrir caminho para eles. A pandemia reduziu o fluxo. Em 2019, o número ultrapassou 5.000 migrantes.

- "Não há caminho seguro"-

Mohammed Al-Gaadi também descartou a possibilidade do Mediterrâneo. Com 50 anos, o motorista foge da guerra que desde 2014 assola o Iêmen, o país mais pobre do mundo árabe.

Em 2017 ele decidiu ir para os Estados Unidos. Ele cruzou o Mar Vermelho de balsa até Djibouti e de lá voou para São Paulo. "Não existe uma rota boa e segura", esclarece.

Mais de 20.000 migrantes morreram afogados no Mediterrâneo nos últimos sete anos tentando cruzar do Norte da África para a Europa em barcos ilegais, de acordo com a Agência das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR).

Al-Gaadi cruzou do Brasil para o Equador, onde trabalhou por três anos como vendedor ambulante. Ele mandou dinheiro para sua esposa e cinco filhos no Iêmen e guardou um pouco para retomar sua jornada.

Em 30 de janeiro, o Panamá reabriu suas fronteiras. Cinco dias depois, eles deixaram o acampamento e pegaram um barco para uma aldeia onde entrarão no Darien, guiados por coiotes que cobram entre 2.000 e 3.000 dólares.

Kabeer conquistou o lado panamenho da fronteira. A viagem durou cinco dias, "três de nós morreram, dois homens e uma mulher", disse ele à AFP.


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