Jornal Estado de Minas

INTERNACIONAL

'Região quer os Estados Unidos como parceiro e investidor'

Mauricio Claver-Carone ficou conhecido como o cérebro por trás das medidas de linha dura adotadas por Donald Trump contra governos de esquerda na América Latina. Em 2020, Carone lançou seu nome como candidato à presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e conseguiu apoio da maioria da região. A escolha impôs um problema ao presidente eleito dos EUA, Joe Biden, que precisará trabalhar com um ex-trumpista, hoje no comando da principal instituição financeira para América Latina e Caribe. Em entrevista ao Estadão, Carone garante que está alinhado aos interesses do governo democrata e a região o escolheu porque quer maior presença dos EUA.

O sr. propõe o aumento de capital do banco, mas tem apoio bipartidário nos EUA para isso?

Primeiro, chamo isso de reinvestir nas Américas, criar uma década de oportunidades. Pela primeira vez na história, vamos ter uma coalizão bipartidária ampla o suficiente para aprovar o aumento. Não há nada no Congresso hoje em dia que tenha apoio bipartidário. Este projeto tem um grupo de senadores poderosos em ambos os lados, que por si só é uma mensagem poderosa.

Os países, como o Brasil, precisam se comprometer com esse aumento de capital, em um momento em que muitos não têm espaço para gastos.

No caso do Brasil, é indiscutível que somos a melhor proposta em valor. Não apenas somos a instituição multilateral que tem os menores custos de financiamento para o Brasil, mas, sem dúvida, o País é o maior beneficiário do BID, portanto seria o maior beneficiário de um aumento de capital. Ao longo do tempo, o Brasil recebeu 86 vezes aquilo que contribuiu em financiamento.

O Brasil o apoiou quando decidiu concorrer ao BID, mas perdeu poder ao ficar de fora da vice-presidência do banco. Como tem sido a relação com o Brasil?

É excelente. O Brasil está bem representado, e continuará sendo. Há um candidato brasileiro maravilhoso para comandar nossa área de infraestrutura, uma das mais poderosas do banco, e haverá um anúncio em breve sobre um cargo sênior que será preenchido por um brasileiro no IDB Invest.

Muitos apontam que sua vitória só foi possível porque a região está dividida. Isso aconteceu?

O que as pessoas se recusam a entender é que a região quer que os EUA sejam um investidor e um parceiro. E o que viram na minha candidatura foi uma oportunidade de passar a mensagem. A região se sente há muito tempo abandonada.

O sr. diz que está pronto para lidar com o governo Biden. O governo Biden está pronto para trabalhar com o senhor?

Trabalho com eles o tempo todo. Há áreas que são ótimas oportunidades de trabalho conjunto. Estamos conversando com o Departamento de Estado sobre a situação da América Central. Também conversamos sobre vacinas e eles apoiam o que estamos fazendo. Sobre clima, eles (governo) estão muito animados com a Iniciativa da Amazônia, que lançaremos no encontro de Barranquilla este mês. Estamos procurando criar nosso fundo climático e esse é outro assunto no qual tenho trabalhado muito bem com o Brasil. Os europeus gostam de toda a noção de um aumento de capital verde e, para os EUA, é uma proposta de grande valor, se criarmos nosso fundo climático. Acho que é algo que deixa o Brasil empolgado, pois é uma divisão do fardo. Às vezes, os países só olham para o Brasil, mas há sete países (onde há floresta amazônica). A única iniciativa em parceria que existe entre todos será essa. A quarta oportunidade de trabalho é sobre a revisão das cadeias de suprimentos cruciais, estabelecida pelo governo americano. Eles estão tentando mover algumas dessas cadeias de valor para fora da Ásia, da China em particular. Por último, a mobilização do setor privado. Pela primeira vez, o setor privado realmente vê o BID.

O sr. fala em investir e consequentemente ocupar um papel que tem sido ocupado pela China. Está propondo uma mudança na maneira como os EUA se relacionam com a região?

A China é acionista deste banco. Tornou-se acionista em 2010 e em 2015, graças à negligência bipartidária dos EUA. Então essa é a realidade. E, como tal, eu os trato como acionistas. Tudo o que vi aqui, toda a minha razão de estar aqui se baseia no fato de que a região quer que os EUA se preocupem mais não só com o BID, mas com a região em geral.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.



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