De acordo com ONGs, a violência doméstica contra mulheres e crianças é um verdadeiro flagelo na Rússia e há muito que se faz necessária legislação específica muito mais severa.
"O artigo 116-1 do código penal russo (sobre penalidades administrativas para espancamentos) não é constitucional. O legislador deve apresentar mudanças no código penal", considerou o Tribunal Constitucional em um comunicado.
Desde uma reforma em 2017, a violência doméstica que não acarrete lesões corporais ou invalidez é considerada infração administrativa e não crime, mesmo em caso de reincidência. As condenações são geralmente multas ou trabalhos comunitários.
"O legislador não deveria ter ignorado a reincidência, pois reflete um perigo crescente para a sociedade, ilustra a persistência do comportamento do infrator e sua tendência a resolver os conflitos com violência", acrescentou o tribunal.
A jurisdição considera que o Estado deve "dotar-se de medidas penais mais severas", sem as quais "será limitada a proteção dos direitos das vítimas".
O tribunal foi requerido por uma mulher agredida várias vezes pelo irmão que, apesar de ser reincidente em atos de violência, foi condenado em 2019 a apenas 100 horas de trabalhos comunitários.
- Primeiro passo -
Esta decisão "é histórica para a Rússia moderna", estimou Andrei Sinelnikov, vice-diretor do Centro ANNA de ajuda às vítimas de violência doméstica.
"Mas esperamos que seja apenas um primeiro passo que culminará na adoção de um conjunto de medidas de defesa e prevenção para esses crimes", acrescentou.
Uma das medidas mais urgentes, segundo ele, é a criação de "ordens de distanciamento" para proibir um suspeito de violência de se aproximar de suas vítimas, sob pena de sanção criminal.
"A maioria das mortes ocorre quando a mulher tenta deixar o homem e ele a persegue", explica Sinelnikov.
As associações especializadas estimam que existam 16,5 milhões de mulheres russas vítimas de violência doméstica.
A deputada Oksana Pushkina, uma das poucas vozes do partido do Kremlin Rússia Unida que milita por uma maior repressão a este tipo de violência, estimou no final de 2019 que 80% das famílias russas são afetadas por este problema.
A descriminalização desses atos foi impulsionada por correntes conservadoras, muito influentes, dentro do regime de Vladimir Putin, especialmente a poderosa Igreja Ortodoxa russa.
De acordo com a Igreja, se a justiça se intrometer nos lares, quebrará famílias, algo que é "incompatível com os valores espirituais e morais tradicionais da Rússia".