O presidente desafiou continuamente as recomendações de saúde para controlar a propagação do vírus, em uma atitude que lhe fez ser acusado de ser "genocida" por alguns de seus principais adversários, entre eles o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Desde o início da pandemia no país, em fevereiro do último ano, Bolsonaro se mostrou contra medidas de isolamento social, mencionando seu impacto econômico negativo; desconsiderou o uso de máscaras, questionou a eficácia das vacinas e promoveu medicamentos sem eficácia comprovada contra a doença, como a hidroxicloroquina.
Cientistas e políticos atribuem a essas posturas o atraso na vacinação e as dificuldades para conseguir imunizantes para o país, com 212 milhões de habitantes, e que se aproxima dos 400 mil mortos pela doença, balanço superado apenas pelos Estados Unidos.
Essa Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) analisará se houve negligência ou atos de corrupção durante a gestão da pandemia, incluindo a crise de suprimento de oxigênio que em janeiro causou a morte por asfixia de dezenas de pessoas em Manaus, capital do Amazonas.
"Eu não errei em nada. Eu não tenho bola de cristal, eu converso com as pessoas", reafirmou o presidente nesta terça-feira, em Brasília.
"Eu acho que vai criar muito problema para o presidente", disse à AFP o analista Andre Rehbein Sathler, doutor em Filosofia e pesquisador-associado da Unidade de Inteligência do Congresso em Foco.
"Não é só omissão, é ação mesmo do governo. O que o governo fez em relação à pandemia foi público e notório. Não precisaria de uma investigação. Está tudo escancarado", acrescentou.
"O governo Executivo foi ao Supremo para tentar barrar medidas que os governadores tomaram de distanciamento social, o governo não comprou as vacinas, minimizou a pandemia.... É só listar e denunciar o presidente", afirmou Sathler.
A CPI de 11 membros, que tem mandato renovável por 90 dias, foi instalada por despacho do Supremo Tribunal Federal (STF).
Esse tipo de comissão é espaço para ocorrência de revelações devastadoras e levar a diante processos de impeachment, como aconteceu com o presidente Fernando Collor, em 1992.
Porém, também pode acabar resultando em nada, dependendo do momento político.
Bolsonaro aliou-se este ano aos partidos de centro-direita conhecidos como "Centrão", na esperança de se proteger de um eventual "impeachment".
Mas a aliança mostra sinais de fraqueza e as pesquisas mostram que ele pode ser derrotada nas eleições de outubro de 2022.
- Convocatórias -
Os membros da comissão elegeram para presidi-la o centrista Omar Aziz, cujo nome foi defendido pelo Executivo, e o opositor Randolfe Rodrigues como vice-presidente.
No entanto, em um revés para o governo, Aziz escolheu o veterano senador de centro, Renan Calheiros, para assumir como relator.
Em suas primeiras declarações, o senador veterano indicou que pretende convocar na próxima semana Luiz Henrique Mandetta, que atuava como ministro da Saúde no início da pandemia, e posteriormente os três outros ministros que desde então estiveram no cargo.
Alguns especialistas preveem que o governo tentará culpar o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, general do Exército, demitido por Bolsonaro em março e que ocupava o cargo no momento em que houve a tragédia sanitária em Manaus, pelo desastre na saúde.
Mas, acrescentam, Pazuello poderá não entrar no jogo e arrastar outras pessoas para a sua ruína.
Calheiros indicou ainda que pretende solicitar documentos sobre a compra de vacinas e o incentivo a "medicamentos sem eficácia comprovada", assim como a atribuição de recursos para o combate à covid-19 aos estados e municípios, e sobre o "caso emblemático do caos na saúde pública" no estado do Amazonas.
Segundo fontes, Calheiros disse aos aliados que quer escrever um relatório "cirúrgico" final, documentando os erros do governo.
Sua nomeação viu-se complicada na noite de segunda-feira, quando uma ordem judicial tentou impedi-la, argumentando que o veterano senador está sendo investigado por corrupção e lavagem de dinheiro.
Mas essa decisão de última hora, que pode ser vista como um sinal de que dias tumultuados virão, foi anulada por outra instância judicial logo após o início da função da CPI.