Jornal Estado de Minas

MOBILIZAÇÃO E PROTESTOS

Das catracas às urnas: estudantes chilenos forçaram a Assembleia Constituinte



Pulando as catracas das estações do metrô de Santiago em outubro de 2019, os estudantes acenderam o pavio para os maiores protestos sociais em décadas no Chile. Um último marco após anos de mobilizações que colocaram o país sul-americano às portas de uma histórica eleição Constituinte.



Primeiro com a chamada "Revolução pinguim" de 2006; depois com os grandes protestos de 2011 que exigiram "educação pública gratuita e de qualidade" e as ocupações feministas de universidades em 2018, os estudantes foram os protagonistas das maiores manifestações sociais dos últimos anos no Chile.

Seu chamado para "evadir" o pagamento da passagem do metrô em outubro de 2019 desencadeou um distúrbio social, que conseguiu colocar em cheque o governo do conservador Sebastián Piñera após protestos que atraíram mais de um milhão de pessoas.

As manifestações deixaram quase 30 mortos e centenas de feridos, mas conseguiram impulsionar o plebiscito que um ano depois foi aprovado - por esmagadora maioria de 80% - para a redação de uma nova Constituição que acabe com a herdada da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990).



"A mobilização estudantil neste longo ciclo (de protestos) anterior ao 'surto social' é fundamental", diz à AFP Emilia Schneider, ex-presidente da Federação de Estudantes da Universidade do Chile e hoje candidata à Assembleia Constituinte nas eleições de 15 e 16 de maio.

Para Rodrigo Pérez, ex-presidente do centro estudantil do Instituto Nacional, as manifestações assombraram "uma democracia que por tantos anos foi baseada na Constituição de Pinochet, que é o símbolo da desigualdade".

- Decepção -

Os estudantes chilenos deram uma primeira prova de força em 2006, quando em seus uniformes escolares saíram às ruas para exigir o fim da Lei Orgânica Constitucional da Educação (LOCE) que Pinochet promulgou perto do fim de seu regime para transferir a administração das escolas públicas para os municípios.



Em 2011, com muitos desses alunos do Ensino Médio já nas universidades, eles buscaram mais e defenderam uma "educação pública gratuita e de qualidade", em um dos países com as mensalidades mais altas e onde não era possível estudar de graça.

Em março de 2016, pela primeira vez em 35 anos, os alunos chilenos conseguiram estudar de graça novamente.

E em 2018, por meio das ocupações feministas e protestos de rua, as estudantes promoveram uma agenda de gênero e protocolos especiais dentro das universidades.

"Na educação ficou clara a decepção do modelo neoliberal no Chile. Eles nos diziam que através dela poderíamos ascender socialmente e melhorar nossa qualidade de vida e das pessoas que amamos, mas isso não é o que acontece", diz Schneider, para explicar porque os alunos estiveram no centro das manifestações.



Para Martín Hopenhayn, professor de Sociologia da Juventude na Universidade Diego Portales, os jovens "se sentem enganados por uma sociedade que cultiva e perpetua privilégios de nascença".

Os estudantes esperam que a nova Constituição consagre como direitos sociais todas as demandas surgidas da última revolta.

"A Constituição é o ponto de convergência, é o caminho correto para a consagração dos direitos sociais para que exista uma educação melhor e para que deixe de existir uma saúde para os pobres e outra para os ricos", afirma Pérez, candidato pelo município de Independência (norte de Santiago).

Mas alguns também desconfiam desse processo, sobretudo porque para a eleição dos constituintes entre os quase 1.400 candidatos há apenas 50 inscritos com idades entre 18 e 25 anos.

"Os obstáculos para os candidatos independentes são brutais, eles têm pouco tempo na televisão e também pouca capacidade de recursos, ao contrário dos candidatos dos partidos políticos", afirma Víctor Chanfreau, ex-porta-voz da Assembleia Coordenadora dos Alunos do Ensino Médio (Aces), a ala mais combativa dos estudantes.

Chanfreau, neto de uma das milhares de vítimas da ditadura de Pinochet, também desconfia do eventual veto que uma minoria conservadora possa exercer e "que pode atrapalhar as mudanças que realmente queremos, principalmente na educação".



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