"Caso a medida se concretize, um ator importante se retira do mercado internacional (...) É um sinal bastante negativo para todo o setor produtivo e a cadeia da carne", resumiu o presidente do Instituto Nacional de Carnes (INAC) do Uruguai, Fernando Mattos, em declarações à Rádio Nacional nesta quarta-feira (19).
A Argentina, quarto exportador mundial de carne bovina, com 819.000 toneladas em 2020, anunciou na segunda-feira a suspensão que vai aplicar por 30 dias "como consequência do aumento sustentado do preço da carne bovina no mercado interno". Em resposta, os pecuaristas decidiram interromper desde a quinta-feira a comercialização por nove dias.
O país, que segundo a OCDE é o principal consumidor de carne bovina per capita do mundo, atravessa uma forte escalada inflacionária, com um aumento de preços ao consumo de 46,3% em 12 meses até abril, segundo dados oficiais. A carne bovina, enquanto isso, aumentou 65,3% no mesmo período, acima da inflação, segundo o Instituto de Promoção de Carne Bovina Argentina (Ipcva, na sigla em espanhol).
"O tema da carne saiu do controle. O preço sobe mês a mês sem justificativa. Temos que pôr ordem (nisso). Nós não podemos ver os preços subindo sem nenhuma justificativa, ou seja, sobe o preço da carne e diminui o consumo de carne, argumentou o presidente argentino, Alberto Fernández, em declarações por rádio para justificar sua decisão.
- Uma faca de dois gumes -
Embora a ausência argentina do mercado internacional possa representar uma oportunidade conjuntural para países competidores concorrentes como Brasil, Uruguai, Paraguai, e inclusive os Estados Unidos, a médio prazo o impacto pode ser sentido nas economias locais nos preços de um produto que é central na cesta básica alimentícia.
"Os frigoríficos que estão autorizados a exportar, optam a fazê-lo porque é uma forma de remunerar melhor o investimento feito na pecuária. Recebem em dólar e isso recompõe margens que foram comprometidas com o aumento dos preços dos insumos para a criação dos animais", explicou à AFP no Brasil André Braz, coordenador de temas sobre inflação do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas
Mas "é uma carência que o mercado vai sofrer. A carne é um produto da cesta básica (...) Já chama atenção que as carnes bovinas subiram mais de 30% nos últimos 12 meses", advertiu.
No Brasil, os preços dos alimentos em geral subiram mais que 12% nos últimos 12 meses até abril e a inflação situou-se em 6,76%, acima do teto de 5,25% da meta oficial.
Para o presidente do Instituto Nacional de Carnes do Paraguai, não há dúvidas sobre o impacto negativo da medida argentina.
"Este ano vamos ter uma pressão da carne no aumento de preços que não beneficia o consumidor. Estas distorções no mercado internacional, quanto ao balanço de benefícios e prejuízos, no curto prazo geram benefícios entre aspas, mas a longo prazo não é um mercado sadio e autêntico. É muito melhor que a formação de preços obedeça a uma gradualidade e uma lógica econômica, e não a uma medida administrativa direta do governo argentino intervindo no mercado", enfatizou.
- EUA: o grande beneficiado -
"O apetite pelas commodities está aumentando em todo o mundo e sobretudo na Ásia, à medida que a vacinação (contra a covid-19) avança", explicou o especialista da Fundação Getúlio Vargas.
Assim, o principal beneficiário das restrições argentinas deveriam ser os Estados Unidos, os terceiros exportadores mundiais, graças ao aumento da demanda chinesa, avaliou Fernando Iglesias, analista do setor de carnes da brasileira Safras&Mercados.
"A China é um país extremamente proativo na segurança alimentar. Quando notou que a Argentina estava prestes a fechar as portas para suas exportações de carne - já houve normativas no mês passado em relação a isso -, simplesmente optou por habilitar a toque de caixa 32 unidades frigoríficas dos Estados Unidos e essa exportação passou a vigorar a partir de 1º de maio", explicou à AFP.
Para o uruguaio Mattos, uma saída temporária da Argentina do mercado provocará um "efeito de retirada de 7%, 8% da oferta mundial" quando o país sul-americano "apontava a estar exportando este ano em torno de um milhão de toneladas. Em nível mundial são comercializadas entre 11 e 12 milhões de toneladas" ao ano de carne bovina, concluiu.