"As regras da aviação civil não foram escritas, prevendo que um Estado se comporte como terrorista", resume Nathalie Younan, especialista em direito aéreo do escritório de advocacia parisiense FTPA, em entrevista à AFP.
O governo de Alexander Lukashenko é acusado de ter desviado uma aeronave da Ryanair, no último domingo (23), usando um caça, para prender um opositor a bordo. A medida levou seu país a ser excluído do espaço aéreo europeu.
A Agência Europeia para a Segurança da Aviação (EASA) recomendou nesta quarta-feira que as companhias aéreas evitem o espaço aéreo de Belarus, país cuja ação, diz, representa "um risco para a segurança dos voos".
A indignação dos países ocidentais reflete uma aparente violação da Convenção de Chicago de 1944, que estabelece as regras da aviação civil internacional e da qual Minsk é signatário desde 1993, segundo a Organização da Aviação Civil Internacional (OACI).
Este órgão, ligado à ONU, anunciou no domingo que apresentou um pedido de investigação sobre o incidente e expressou sua "profunda preocupação".
Desde seu artigo primeiro, o acordo afirma que "todo o Estado tem soberania plena e exclusiva no espaço aéreo localizado sobre seu território".
Mas "os Estados signatários reconhecem que todo o Estado deve se abster de recorrer ao uso de armas contra aeronaves civis em voo e que, em caso de interceptação, a vida dos ocupantes não deve ser colocada em perigo (...) nem sua segurança", acrescenta o acordo.
"Em uma interceptação por um caça, o comandante a bordo deve obedecer às instruções dadas. A França defende este princípio como todos os Estados do mundo, porque é uma questão de segurança", explicou à AFP a Direção-Geral de Aviação Civil Francesa (DGAC).
- Cenários não previstos -
"Por outro lado, quando uma aeronave é autorizada a entrar, atende às condições, paga as taxas [para ter o direito de voar sobre um país], não pode ser parada sem motivo válido. É isso que está em questão na intervenção da Força Aérea [bielorrussa]", segundo a mesma fonte.
A Convenção de Chicago indica que os países signatários não podem usar a aviação civil para "fins incompatíveis" com o texto.
Segundo a DGAC, porém, "o voo da Ryanair foi desviado por motivos que nada têm a ver com a aviação civil".
Lukashenko garantiu nesta quarta que agiu "legalmente para proteger o povo" - invocando uma ameaça de bomba que se revelou falsa - e acusou os países ocidentais de quererem estrangular seu país.
As eventuais recomendações emitidas no âmbito da OACI não serão "dotadas de poder sancionador, propriamente falando", explicou Sonia Merad, colaboradora da FTPA especializada em direito aéreo.
A última palavra, nos casos mais graves, viria do Conselho de Segurança da ONU, onde a Rússia tem poder de veto e é aliada de Minsk.
Um piloto de linha, que pediu anonimato, explicou à AFP que existem procedimentos muito detalhados sobre a atitude a adotar diante de uma ameaça de bomba e "regras internacionais precisas sobre interceptação por avião de combate".
No entanto, "a figura de um Estado que pratica o ato de pirataria não está prevista nos cenários", acrescentou.
"É uma mentira absoluta dizer que o avião foi forçado a pousar por um MiG-29", insistiu Lukashenko. "A missão do caça era estabelecer comunicação, acompanhar o pouso do avião de passageiros em caso de emergência", acrescentou.
A tripulação "não teve alternativa a não ser seguir as instruções dadas a eles", ressaltou, por sua vez, Willie Walsh, diretor-geral da Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA).
"Eventos como esse são extremamente raros, mas é muito perturbador ver um governo enviar uma aeronave militar para interceptar uma aeronave comercial por razões claramente falsas", apontou.
PARIS