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Estado de Minas BUENAVENTURA

Buenaventura, o porto dos desaparecidos pela violência na Colômbia


26/05/2021 13:06 - atualizado 26/05/2021 13:14

Antes eram desmembrados vivos para que as pessoas pudessem ouvir os gritos dos desaparecidos, hoje são levados em silêncio e deixam uma mensagem de terror: "não o procure mais, não vai aparecer". Mas, no porto colombiano de Buenaventura, muitos acreditam saber onde estão seus mortos.

Cerca de 2.000 afro-colombianos vivem na ponte Nayero, guardada pelas forças de segurança. São os vizinhos pobres e aterrorizados de La Playita, um bairro de palafitas que leva aos manguezais e estuários de Buenaventura (sudoeste), no Pacífico.

"Não podemos sair para a esquerda, nem para a direita. Sentimos-nos presos", descreve Jhony Viveros, um líder comunitário de 37 anos que guarda em casa um colete à prova de balas.

As gangues que sucederam aos paramilitares e guerrilheiros, que outrora aterrorizaram a comunidade com seus confrontos, massacres e bombas, transformaram essas paisagens naturais em cartões-postais de terror.

Uma estrada íngreme de La Playita leva aos estuários "onde os mortos desaparecem", sussurra outro líder, de 48 anos.

Líderes civis, religiosos e de direitos humanos, que conversaram com a AFP, acreditam que os estuários são a versão costeira das fossas clandestinas onde se concentram as buscas por cerca de 185.000 desaparecidos no conflito colombiano.

Bloqueada pelos protestos contra o governo que asfixiam toda Colômbia nos últimos dias, Buenaventura é a principal saída para o Pacífico: move 40% do comércio internacional do país e uma parte importante da cocaína que segue para a América Central e México, caminho para os Estados Unidos.

A maioria de seus 311 mil habitantes (91% negros) vive, porém, na informalidade, por trás da atividade portuária administrada pelo setor privado. Mais da metade é pobre (51,5%).

- "Não os deixem desaparecer" -

Assediado nos céus, o narcotráfico saltou aos mares e lançou Buenaventura na violência. Os que antes comandavam eram guerrilheiros, ou paramilitares. Hoje, são os membros da gangue La Local. E a droga que viajava quebrando ondas em lanchas, agora passa em submersíveis às toneladas, ou em contêineres.

O narcotráfico soube aproveitar a "rede natural de estuários e bacias" e "o conhecimento dos navegadores" do porto, observa Juan Manuel Torres, pesquisador do centro de estudos da Fundação Paz e Reconciliação.

Aqui - acrescenta Torres -, a segurança não depende tanto das autoridades como "dos acordos entre ilegais, que normalmente são acordos frágeis". Quando se rompem, um novo ciclo de desaparecimentos, assassinatos e tiroteios começa.

Foi o que aconteceu no início deste ano.

"O estuário continua sendo um lugar macabro para fazer desaparecer pessoas que são levadas de lancha", diz Adriel Ruiz.

Este ex-padre de 42 anos construiu "uma capela da memória" ao lado do templo do bairro onde trabalhou até 2016. No local, estão expostas dezenas de fotos de vítimas e até a canoa de alguns pescadores, cujo rastro se perdeu.

Ruiz se opõe à dragagem do estuário de San Antonio, obra que beneficiaria a ampliação do porto, mas que também enterraria as esperanças das famílias que indagam sobre seus fantasmas.

"Eles já estão mortos, não os deixem desaparecer", clama o homem.

A Justiça que investiga os crimes atrozes na Colômbia, após a assinatura de paz em 2016 com a extinta guerrilha Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), estima que, em Buenaventura, pelo menos 881 pessoas desapareceram nas últimas duas décadas. Destas, 88% (779) foram levadas à força.

- Experimentos cruéis -

Em 2021, 44 homicídios, 8.000 pessoas deslocadas e 13 desaparecimentos forçados foram oficialmente documentados. Dado o silêncio imposto pelos grupos armados, suspeita-se, porém, de uma subnotificação de pessoas desaparecidas.

Pescadores, comerciantes, trabalhadores informais, agricultores e donas de casa estão entre as vítimas, segundo investigação do jornal El Espectador. Também, é claro, desaparecem aqueles que matam na guerra pelo controle dos pontos.

Maria, de 54 anos, que se esconde sob esse pseudônimo por medo, perdeu a irmã em setembro de 2015. Ela tinha 35 anos, era uma líder comunitária que saiu de casa depois de receber um telefonema e nunca mais voltou.

"Procuramos por ela por toda a parte e fomos às autoridades, mas eles nunca disseram nada". Sem esperança de encontrá-la viva, Maria se apavora ao pensar que sua irmã foi levada para os estuários.

"O desaparecimento sempre termina em homicídio, é difícil uma pessoa reaparecer com vida (...), e o problema é que, nessa modalidade (de violência), o corpo não aparece", enfatiza o prefeito Víctor Hugo Vidal.

Ultimamente, quando alguém desaparece, o celular é deixado ativo, "até que a família ligue e lhe digam 'não o procure mais, não vai mais aparecer'", acrescenta.

Os grupos que traficam drogas e ouro ilegal também extorquem dinheiro. De quem? "Qualquer pessoa que tenha uma loja, ou venda, ou compre", dizem as fontes. Mas, acima de tudo, apelam ao sofrimento.

Desde 2014, o Estado colombiano, por ordem da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos (CIDH), guarda La Playita, que bloqueia simbolicamente com um portão gigante, após sofrer múltiplos e cruéis abusos.

No caminho para os estuários, um líder comunitário sussurra: "aquela era uma casa de corte. Você via quando eram arrastados, implorando, enquanto as crianças brincavam nas ruas. Entrávamos em nossas casas para ouvir os gritos de dor", conta.

O bispo de Buenaventura, Rubén Darío Jaramillo, corrobora: "Eram cortadas, atiradas ao mar e vistas boiando, na zona costeira: cabeças, mãos, ou (pedaços de vítimas) jogados em sacos de lixo".

"Agora estão desaparecendo, sendo levadas para lugares mais distantes, para que ninguém mais tenha notícias", acrescenta.

- Não é terra para jovens -

O bispo, o prefeito, o ex-padre, os líderes comunitários de La Playita e os jovens que se mobilizam contra a violência: todos estão na mira.

Buenaventura não é apenas um porto de desaparecidos. Também é o porto daqueles ameaçados com guarda-costas, de jovens recrutados à força, ou seduzidos por armas e dinheiro. Aqueles que matam e morrem são, principalmente, garotos negros.

A Marinha patrulha a costa, e forças combinadas de policiais e militares operam nos bairros, onde um tiroteio pode começar do nada. O coronel de Infantaria da Marinha Samuel Aguilar comanda as ações contra a violência que eclodiu em dezembro.

Segundo o oficial, são cerca de 1.200 membros da força pública lutando contra 200 jovens bem armados com fuzis M-16 e pistolas nove milímetros, divididos em Los Shotas e Los Espartanos, duas facções opostas à organização paramilitar La Local.

"São os jovens que matam. São os jovens que roubam e fazem parte de gangues criminosas. O problema de Buenaventura é a juventude. Essa é a percepção que muitos têm", lamenta Yudi Angulo, ativista de 33 anos.

Angulo e Leonard Renteria, ambos de 29, apresentam-se como filhos da resistência nas ruas contra a violência.

"Cansamos de ser obrigados a escolher entre ser a vítima, ou o agressor", diz Renteria.

Em Buenaventura, onde cresceu, ele não pode mais andar sem um guarda-costas: "O Estado colombiano falhou com os jovens de Buenaventura mais do que em qualquer outro lugar".


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