Deixar a família e a casa, mudar constantemente de esconderijo, de celular... Muitos deles nunca imaginaram viver assim, mas dizem que "não se arrependem".
- O médico -
Ko Ko, que pediu à AFP para mudar seu nome, nunca pensou que se tornaria um fugitivo.
Este médico de 30 anos trabalhava em um hospital público, tratando pacientes com covid-19, quando aconteceu o golpe de Estado.
Rapidamente, juntou-se à campanha de desobediência civil, fez greve e treinou jovens em primeiros socorros para poderem cuidar dos manifestantes feridos nas manifestações.
As prisões em massa de pessoal médico assustaram Ko Ko. "Me perguntava: 'Se eles me encontrarem, o que farão com minha família?'".
Dois dias depois do Dia das Forças Armadas - o mais letal, com mais de 100 civis mortos -, ele deixou sua esposa e seus pais e foi para uma área controlada por uma facção rebelde étnica perto da fronteira com a Tailândia.
Várias dessas guerrilhas no norte e no leste do país pegaram em armas contra a junta, após a repressão sangrenta das forças de segurança contra a mobilização pró-democracia. Até agora, são mais de 860 civis mortos.
Desde então, Ko Ko atua em um hospital de campanha. Ele também faz consultas médicas on-line para opositores feridos, que temem buscar atendimento nos hospitais.
"Tenho saudade de tudo: do meu trabalho, das festas, dos amigos, da família". Mas, "pelo futuro da próxima geração, não podemos desistir", diz.
O médico está pronto para lutar "meses, anos". Seu único medo: que o país, que já viveu décadas sob o jugo dos militares, acostume-se novamente com a ditadura.
- O artista-
"Eu fugi pela porta dos fundos (...) Não consegui nem dizer adeus ao meu cachorro. Ele morreu no dia 4 de maio", lamenta Ko Thein, um músico, que também teve seu nome alterado nesta matéria.
Demorou para ele aceitar abandonar tudo.
Durante semanas, postou mensagens nas redes sociais contra os generais da junta que derrubaram a líder Aung San Suu Kyi em 1º de fevereiro, sem ouvir seus amigos, pedindo-lhe que fugisse.
"Fui teimoso. Não queria deixar minha casa em Yangon, construída com amor ano após ano", afirma.
No início de abril, sua vida virou de cabeça para baixo, quando seu nome apareceu na televisão estatal entre as pessoas procuradas.
Ele faz a mala em poucos minutos, despediu-se da irmã e saiu da cidade para se estabelecer em uma área rebelde.
Depois de algumas semanas, Ko Thein deixou a selva. Ele se esconde em um lugar secreto, de onde coloca ativistas em contato com o governo civil clandestino.
"É um pesadelo, (mas) não me arrependo. É nosso dever como cidadãos" lutar contra a ditadura.
- A ativista -
Filha de um militar, Thinzar Shunlei Yi, de 29 anos, é ativista há anos. Desde a chegada de Aung San Suu Kyi ao poder em 2016, ela tem lutado pelos direitos dos jovens e das minorias.
Ter de lutar, um dia, na clandestinidade "era algo que eu esperava", considerando-se meu passado como ativista, constata.
Thinzar Shunlei Yi foi uma das primeiras a pedir a desobediência civil.
Rapidamente, foi colocada na lista militar e decidiu passar para a clandestinidade.
Mesmo para esta ativista experiente, a vida como fugitiva é exaustiva. "Todos os lugares podem ser armadilhas", explica essa mulher, que vive com medo de ser denunciada, ou seguida.
Mas "temos que continuar avançando, aconteça o que acontecer", insiste. "Muitas pessoas sacrificaram suas vidas", conclui.