Khairul Ghazali, um extremista islâmico arrependido, contou à AFP como passava dias visitando restaurantes, lojas e supermercados para deixar caixas de caridade, vestindo um terno de aparência oficial para evitar suspeitas.
As pessoas depositavam moedas e notas amassadas, acreditando que estavam ajudando crianças órfãs, ou alguma organização humanitária palestina.
Mas as caixas de Ghazali pertenciam à Jemaah Islamiya (JI), a rede responsável pelo atentado de Bali em 2002, o ataque terrorista mais mortal da história da Indonésia.
"As pessoas não sabem a diferença entre essas e outras caixas de doação", diz Ghazali, de 56 anos, que agora dirige uma escola islâmica e tenta tirar os extremistas do radicalismo.
"O dinheiro arrecadado costuma ser usado para financiar o terrorismo", assegura.
Com pouco financiamento externo, os grupos extremistas islâmicos dependem do golpe da caridade para financiar suas operações na Indonésia, o maior país de maioria muçulmana do mundo, que sofreu uma série de atentados a bomba em hotéis e outros lugares nos últimos anos.
Em março passado, a polícia de Sumatra do Norte disse que apreendeu mais de 500 caixas sob suspeita de financiarem o Estado Islâmico (EI) e outros grupos radicais.
Essa apreensão, que ocorreu semanas antes de um casal inspirado no EI se explodir dentro de uma igreja, é, no entanto, apenas a ponta do iceberg.
Um militante da JI preso no ano passado admitiu que uma fundação ligada ao grupo tinha mais de 20.000 caixas de doações em todo país, segundo a polícia.
- Grande escala -
Não há números oficiais sobre as caixas de doações falsas na Indonésia, mas especialistas acreditam que elas existam em todas as cidades e regiões do arquipélago.
"Não é um método novo, mas a escala, que agora é enorme, é nova", diz o analista de segurança Sidney Jones em Jacarta.
A maioria dos grupos extremistas da Indonésia depende "esmagadoramente" do financiamento local para suas operações diárias, aponta.
Esses grupos também levantam fundos de seus membros e apoiadores, em campanhas na Internet e lavagem de dinheiro por meio de negócios legítimos, como plantações de palma.
"Mas os ataques que ocorreram após o atentado de Bali foram financiados, principalmente, por fundos das caixas de doações", de acordo com Ghazali.
Os fundos foram detectados em campos de treinamento na província de Aceh e em grupos radicais, como um no leste da Indonésia acusado de decapitar quatro cristãos em maio na ilha de Sulawesi.
Também serviram para ajudar as famílias de extremistas presos, ou mortos, e a polícia suspeita que eles tenham financiado viagens de extremistas à Síria.
As caixas podem arrecadar até US$ 350 a cada seis meses, segundo Ghazali.
"É mais prático e sem riscos. Não há perigo de derramar sangue, como em um assalto", acrescenta.
Ghazali passou cinco anos na prisão por liderar um assalto a banco em 2010, no qual um segurança foi morto. Esses ataques eram amplamente usados por grupos extremistas para se financiarem.
Foi nessa época que esses grupos pararam de se financiar por meio de roubos e outros crimes de risco e passaram a usar métodos mais secretos.
As caixas costumam estar vinculadas a fundações apoiadas por grupos extremistas, ou por seus simpatizantes, e são oficialmente registradas para parecerem legítimas.
Têm de declarar os ingressos e parte do dinheiro vai para a caridade, mas a maior parte é desviada.
"Sim, há órfãos e pobres que recebem apoio dessas caixas, mas é uma fachada", assegura à AFP Ridlwan Habib, especialista em terrorismo da Universidade da Indonésia.
"Os indonésios gostam de doar dinheiro e podem doar de 2.000 a 5.000 rúpias sem pensar duas vezes", comenta Sofyan Tsauri, um ex-militante que conhece o sistema.
Alguns em Sumatra do Norte ficaram chocados quando a polícia revelou que o esquema funcionava em sua província. "Minha intenção era apenas ajudar os outros, nunca pensei que seria usado no terrorismo", lamentou Medan, um residente de Sri Mulyani.